DE COMO CONHECI CURIAPEBA
(Homenagem à obra literária de Aristides Theodoro)
- criador da fictícia Curiapeba -
(Homenagem à obra literária de Aristides Theodoro)
- criador da fictícia Curiapeba -
CURIAPEBA, SEUS MODOS E SUA GENTE
I
Curiapeba é boi de laço,
É chiado morto, escuridão,
É coité quebrado e é cangaço,
Terra pisada no bagaço,
E a vida feita de sertão.
Ave agourenta na chapada,
Cascavel de tocaia no capim,
É rês mugindo esfomeada,
Xaxado, xote e enxurrada,
Galope, morte, vida e fim.
É gole d'água, é mão vazia,
Cacimba seca, vem e vai...
É noite quieta e cantoria,
Macuco afoito, mata fria,
Chuva distante que não cai.
II
É carrapicho, unha de gato,
É casa velha e desalento,
Peleja incerta, medo e mato,
Donzela aflita e beato,
E um bocado de ungüento.
É cabra macho, é rezador,
Faca de ponta, correnteza,
É benzedeira, é cantador,
Marruá na canga, lenhador,
Preá que bole na represa.
É rapazote que gagueja
Um verso bobo que escreveu,
É um tropeiro e uma peleja,
E bode velho que bodeja,
A mesma coisa que comeu.
III
É caititu, marrã que berra,
Água que banha o vilarejo,
Gibão surrado, pé de serra,
Gamela cocha, sol e terra,
De onde brota o sertanejo.
É carne de sol, tigela, angu,
Sabiá que canta na gaiola,
Canavieira, grota, umbu,
Fogão de lenha e mulungu,
É moita brava e mariola,
É cafundó, terno de linho,
Foice afiada, binga e fumo,
Feijão de corda e pelourinho,
Pedra que move no moinho
E bota a vida no seu rumo.
IV
É o carcará desapontado,
Jagunço morto na estiada,
É um zumbido, é um piado,
É um tiroteio começado,
Poeira e pó virando estrada.
É um remelexo, é mexerico,
É seiva, é dor, é jeito e ginga,
Ema, sapé, graveto, angico,
É cangaceiro e é milico,
No seu amor pela caatinga.
É dor de quengo sem melhora,
Bornal socado e um cantil,
É tamarindo, arreio, espora,
E a juriti que canta e chora
O Tudo quanto ela já viu.
V
É a baraúna ameaçada,
Fazenda antiga e prataria;
Carro de boi, encruzilhada,
Chuva que cai na madrugada,
Como goteira na bacia.
É lenço e palha na algibeira,
É destemor que nada abala,
Um fogo aceso sem fogueira,
É leite azedo na porteira
E antiga história de senzala.
É galalau engravatado,
Garrucha, jipe e baioneta,
Algum tostão e pão fiado
Um sonho velho amarelado,
Feito retrato na gaveta.
VI
É gravatá, arnica, espinho,
Boneca de milho já nascendo,
É malquerença de vizinho,
É cruz fincada no caminho,
E casca velha apodrecendo.
É um tropeiro ensimesmado,
Espinha de peixe na goela,
É nó de tripa mal curado,
Tabaréu que vê desconfiado,
Tudo que passa na janela.
É sanfoneiro, é cão sarnento,
É um desafio na embolada,
Uma tarimba e um jumento,
Moço que dorme no relento,
Pra cortejar a sua amada.
VII
É pó de mico, água de cheiro,
Café torrado e procissão,
É catilóia e sanfoneiro,
Um estrupício alcoviteiro,
Colher de pau, mão de pilão.
É um casebre pau-a-pique
D’uma bondade sem fundura,
Uma candonga, um chilique
Raspa de tacho e alambique,
Garapa, cana e rapadura.
É taquarussu, é boi-bumbá ,
Luar minguado no açude,
Sabão de soda, mungunzá,
Juá, jiló, jequitibá,
E um povo nobre que se ilude.
VIII
É a praça quieta tão igual,
Cerca, cipó, galo de rinha,
Roupa quarando no varal,
Um dia branco como a cal,
Que veste o teto da igrejinha.
Anzol de linha ribanceira,
Rangido surdo no assoalho,
Fubá que dança na peneira,
Cajá, sapé, maxixe, esteira,
E uma colcha de retalho.
É onça parda e emboscada
Carvão aceso, luz de vela.
É um estouro de boiada,
É uma tapera barreada,
Riacho morto sem pinguela.
IX
É um Barbatão desenxabido
E um perrengue da sinhazinha,
É um quase tudo esquecido
Em alguma brenha, escondido,
Que pouca gente adivinha.
E também é a coisa rara
Que, inexplicavelmente, afinal,
Como uma moita de taquara
Ao dividir-se em cada vara
Semeia nesta um taquaral.
E é finalmente uma porção
De qualquer coisa emudecida
E se o dize-la é apenas vão
Calar seria a supressão
De tudo quanto deu-lhe vida.
O.T.Velho
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