segunda-feira, 26 de novembro de 2007

TORPE E BANAL

segunda-feira, 26 de novembro de 2007
A poesia, em rumos diversos,
Escapa-se do entender,
Não é expressa em versos,
E não se a pode escrever.

Buscai somente o sentido,
Da forma alheia e discreta,
Do algo incompreendido,
Que se perdeu do poeta.

Mas se atrevido, entretanto,
Ainda a quiseres buscar,
Deixai o meu livro de canto,
Que assim a irás encontrar.

O.T.Velho

LINHAÇA

I
Eu me sinto um bordado,
Que preso ao pano de chão,
É só um motivo decorado,
Onde os outros pisarão.

E em contraste agressivo,
Com tudo que não se baste,
Os opostos eu revivo,
Na nobreza deste traste.

Assim no nefasto, imundo,
Viés da peça de linho,
Compreendo um outro mundo,
E me torno mais sozinho.

II
Ao escrever eu mesmo bordo,
Meus sentimentos em um tecido,
A cada ponto em mim recordo,
Essa vontade de não ser lido.

Pois quando lêem simplesmente,
As rudes formas que escrevi,
Não saberão da letra ausente,
Nos outros pontos que eu vivi.

E se o infortúnio desse bordado,
Não me permite alinhavar,
Eu te advirto ler com cuidado,
Porque enfim, não sei bordar.

O.T.Velho

sábado, 24 de novembro de 2007

QUINTANA

sábado, 24 de novembro de 2007
"Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente ...
e não a gente a ele!"

Mário Quintana
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Deitada na escrivaninha,
Sem uma idéia que a tolha,
A poesia se escreve sozinha,
No dorso calmo da folha.
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E ainda que pouco eu faça,
Nem uma ajuda sequer,
Ela me enche de graça,
Por um motivo qualquer.
.
Este é um momento amigo,
Que não poderei descrever,
A poesia se irmana comigo,
Creio buscando a mim ler.
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O.T.Velho

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

PLURALISMO

sexta-feira, 23 de novembro de 2007
Numa conjectura, penso,
Que a minha realidade,
É um analogismo pretenso,
De improvável verdade.

É uma singular aparência,
Onde se pode antever,
Minha pretensa existência,
Que a verdade faz crer.

Não fosse assim todavia,
Não sei dizer certamente,
Que outra coisa eu seria,
Teimando em ser existente.

O.T.Velho

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

TROPEL

quinta-feira, 22 de novembro de 2007
É a tristeza calada,
Na voz do vento que ouço,
Como angústia cravada,
No fundo dum calabouço.

Ouvi-la já não me basta,
E o poço fundo somente,
Nas profundezas se afasta,
E a voz me fica ausente.

Se o vento pudesse ouvir,
Eu lhe diria assim,
Pra nunca mais repetir,
As coisas ditas de mim.

O.T.Velho

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

LANTEJOULAS

quarta-feira, 21 de novembro de 2007
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Cada poesia é uma gota,
De uma chuva torrencial,
Que umedece a telha rota,
E nunca é especial.
.
Pois em tudo que escrevo,
Todo ponto se assemelha,
À umidade em relevo,
Que consome cada telha.
.
E a chuva quando para,
No telhado umedecido,
Tem então a mesma cara,
Daquilo que foi escrito.
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O.T.Velho

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

DIVAGAÇÕES

segunda-feira, 19 de novembro de 2007
O inalcançável horizonte,
De tudo o que não sei,
É somente uma ponte,
Que ainda cruzarei.

É a nostálgica reclusa,
Que o eterno não saber,
Faz da ponte que se cruza,
O impossível de se ver.

E conquanto o nunca dito,
Se permita à mente ousar,
Eu somente acredito,
Nesta ponte por cruzar.

O.T.Velho

AINDA QUE

Num sentido amplo sei,
Que uma coisa diminuta,
Obedece à mesma lei,
Que rege a forma absoluta.

É uma frágil redundância,
Como o frasco, nada além,
Que imita a fragrância,
Do perfume que não tem.

Assim se raro ou obtuso,
Diluído em toda parte,
Tudo faz-se tão confuso
E só por isso vira arte.

O.T.Velho

DESCONSOLO

Por detrás do entreaberto,
Vão da porta fechada,
Existe um quarto deserto,
Isto somente e mais nada.

Ali haverá, certamente,
No estranho que o habita,
O vago vulto de gente,
Que já em si não acredita.

Não se deve tê-lo em conta,
Para esta coisa nenhuma,
Pois vale menos que a ponta,
De um cigarro que fuma.

O.T.Velho

ARQUÉTIPO

É tão simples e tão cara,
A singularidade do momento,
Que transforma em jóia rara,
O mais tépido ornamento.

É a magia orquestrada,
Ressaltando do pincel,
Que em cada pincelada,
Forja a vida no papel.

A criação é a árdua luta,
Da mão na massa argilosa,
Que torna mesmo ainda bruta,
A pedra rude em preciosa.

O.T.Velho

ESTALEIRO

Todas as noites atraca,
Nos antros de meu cais,
A recordação já fraca,
Do que não sou eu mais.

É como um antigo navio,
Que o vento da maré,
Faz lembrar o mar bravio,
E esquecer o que ele é.

Então, às noites, não sei,
Se navio ou algo assim,
Fez pensar o que pensei
Ao sentir o vento em mim.

O.T.Velho

NOTÍVAGO

A vida é só um faz de conta,
Não se sabe ou adivinha,
É rumo incerto que aponta,
Apenas ao fim da linha.

É uma conjectura no espaço,
Um segmento obstruído,
E cujo sentido escasso,
Difere do pretendido.

E nesse súbito instante,
Nada além de um momento,
O que existe é o bastante,
Pra tornar-se esquecimento.

O.T.Velho

PENUMBRA

Caem do céu pesadas gotas,
Só porque não amanhece...
E as estrelas brancas, rotas,
Cantam pra quem adormece.

É uma canção inexistente,
Nem se pode percebê-la,
Pois é raro normalmente,
Ter alguém ouvindo estrela.

Mas, sim, cantam, é verdade,
Tem que ouvi-las pra saber,
As manhãs virão mais tarde,
Quando a noite se esquecer.

O.T.Velho

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

AMÁLGAMA

sexta-feira, 16 de novembro de 2007
O meu corpo experimenta
Na discrepância nua
Que a idade fragmenta
A vida que pensa sua

Os anos levam a dor
E um peso sem medida
Ao fortuito portador
Da tese que chamam vida

Não fosse tola a crendice
De que a vida é sempre bela
Eu não seria velhice
Ou não estaria nela

O.T.Velho

VERVE

Em meio à noite escura,
Ressalta a estranha voz,
Do silencio que procura,
Um pouco de si em nós.

Como sempre o ocultar-se.
Torna o oculto tão tangível.
Que assim qualquer disfarce.
Resultará impossível.

E como o sentido ofusca,
Na alma o que ela sente,
Esta voz se torna busca,
Pra dizer isso pra gente.

O.T.Velho

COAXIAL

Sou um halo sem luz,
Erradicado, a esmo,
Que não vibra ou produz,
Nada pra si mesmo.

Uma greta fendida,
Que apenas se empresta,
A luz refletida,
Bem no meio da fresta.

E num súbito instante,
Essa greta tão fina,
Grita luz ofuscante,
E a tudo ilumina .

O.T.Velho

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

CURIAPEBA, SEUS MODOS E SUA GENTE

quinta-feira, 15 de novembro de 2007
DE COMO CONHECI CURIAPEBA
(Homenagem à obra literária de Aristides Theodoro)
- criador da fictícia Curiapeba -


CURIAPEBA, SEUS MODOS E SUA GENTE

I
Curiapeba é boi de laço,
É chiado morto, escuridão,
É coité quebrado e é cangaço,
Terra pisada no bagaço,
E a vida feita de sertão.

Ave agourenta na chapada,
Cascavel de tocaia no capim,
É rês mugindo esfomeada,
Xaxado, xote e enxurrada,
Galope, morte, vida e fim.

É gole d'água, é mão vazia,
Cacimba seca, vem e vai...
É noite quieta e cantoria,
Macuco afoito, mata fria,
Chuva distante que não cai.

II
É carrapicho, unha de gato,
É casa velha e desalento,
Peleja incerta, medo e mato,
Donzela aflita e beato,
E um bocado de ungüento.

É cabra macho, é rezador,
Faca de ponta, correnteza,
É benzedeira, é cantador,
Marruá na canga, lenhador,
Preá que bole na represa.

É rapazote que gagueja
Um verso bobo que escreveu,
É um tropeiro e uma peleja,
E bode velho que bodeja,
A mesma coisa que comeu.

III
É caititu, marrã que berra,
Água que banha o vilarejo,
Gibão surrado, pé de serra,
Gamela cocha, sol e terra,
De onde brota o sertanejo.

É carne de sol, tigela, angu,
Sabiá que canta na gaiola,
Canavieira, grota, umbu,
Fogão de lenha e mulungu,
É moita brava e mariola,

É cafundó, terno de linho,
Foice afiada, binga e fumo,
Feijão de corda e pelourinho,
Pedra que move no moinho
E bota a vida no seu rumo.

IV
É o carcará desapontado,
Jagunço morto na estiada,
É um zumbido, é um piado,
É um tiroteio começado,
Poeira e pó virando estrada.

É um remelexo, é mexerico,
É seiva, é dor, é jeito e ginga,
Ema, sapé, graveto, angico,
É cangaceiro e é milico,
No seu amor pela caatinga.

É dor de quengo sem melhora,
Bornal socado e um cantil,
É tamarindo, arreio, espora,
E a juriti que canta e chora
O Tudo quanto ela já viu.

V
É a baraúna ameaçada,
Fazenda antiga e prataria;
Carro de boi, encruzilhada,
Chuva que cai na madrugada,
Como goteira na bacia.

É lenço e palha na algibeira,
É destemor que nada abala,
Um fogo aceso sem fogueira,
É leite azedo na porteira
E antiga história de senzala.

É galalau engravatado,
Garrucha, jipe e baioneta,
Algum tostão e pão fiado
Um sonho velho amarelado,
Feito retrato na gaveta.

VI
É gravatá, arnica, espinho,
Boneca de milho já nascendo,
É malquerença de vizinho,
É cruz fincada no caminho,
E casca velha apodrecendo.

É um tropeiro ensimesmado,
Espinha de peixe na goela,
É nó de tripa mal curado,
Tabaréu que vê desconfiado,
Tudo que passa na janela.

É sanfoneiro, é cão sarnento,
É um desafio na embolada,
Uma tarimba e um jumento,
Moço que dorme no relento,
Pra cortejar a sua amada.

VII
É pó de mico, água de cheiro,
Café torrado e procissão,
É catilóia e sanfoneiro,
Um estrupício alcoviteiro,
Colher de pau, mão de pilão.

É um casebre pau-a-pique
D’uma bondade sem fundura,
Uma candonga, um chilique
Raspa de tacho e alambique,
Garapa, cana e rapadura.

É taquarussu, é boi-bumbá ,
Luar minguado no açude,
Sabão de soda, mungunzá,
Juá, jiló, jequitibá,
E um povo nobre que se ilude.

VIII
É a praça quieta tão igual,
Cerca, cipó, galo de rinha,
Roupa quarando no varal,
Um dia branco como a cal,
Que veste o teto da igrejinha.

Anzol de linha ribanceira,
Rangido surdo no assoalho,
Fubá que dança na peneira,
Cajá, sapé, maxixe, esteira,
E uma colcha de retalho.

É onça parda e emboscada
Carvão aceso, luz de vela.
É um estouro de boiada,
É uma tapera barreada,
Riacho morto sem pinguela.

IX
É um Barbatão desenxabido
E um perrengue da sinhazinha,
É um quase tudo esquecido
Em alguma brenha, escondido,
Que pouca gente adivinha.

E também é a coisa rara
Que, inexplicavelmente, afinal,
Como uma moita de taquara
Ao dividir-se em cada vara
Semeia nesta um taquaral.

E é finalmente uma porção
De qualquer coisa emudecida
E se o dize-la é apenas vão
Calar seria a supressão
De tudo quanto deu-lhe vida.

O.T.Velho

TRÔPEGO

Se o silêncio não é tudo,
Falta-me saber o quê
Me faz por dentro tão mudo,
Que de fora não se vê.

É como tinta que descora
Na lembrança que arrefece,
Da ausência lá de fora,
Que comigo se parece.

Isto posto de repente,
Sem que nada o provoque
Faz-me eu ser simplesmente
Como algo que se troque.

O.T.Velho

TECIDO RUDIMENTAR

do ciclo de poesias "Conservatório Íntimo"

A pintura imprecisa
Se inverte na medida
Do olhar quando divisa
Sua imagem refletida

Um do outro pouco sabe
Chego mesmo a pensar
Que a tela já não cabe
Na moldura do olhar.

E embora eu nada veja
Numa tola indisciplina
Sei que a imagem só deseja
Fazer parte da retina.

O.T.Velho

UM PRISMA

Tudo paira impreciso,
Ainda assim minha certeza,
É uma chuva de granizo,
Que mantém a chama acesa.

E não é somente um jogo,
De palavras que me sai,
Pois o frio acende o fogo,
Se no fogo a neve cai.

Se não crê-me experimente,
Uma coisa tão pequena,
Sinta aquilo que se sente,
Quando não valer a pena.

O.T.Velho

EM SEGREDO

O dizer que vem da rua,
Que só ela o sabe bem,
Tão somente desvirtua,
O rumor que ela já tem.

É um barulho dissoluto,
Um andar devagarinho,
Que a torna piso bruto,
E a mim o seu caminho.

Se pudessem escutá-la,
Eu talvez não fingiria
E o rumor que a rua cala
A um outro falaria.

O.T.Velho

O TEJO

“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia.”
Fernando Pessoa


Eu sigo a esmo no tejo
E em meu corpo de mágoas
Só resta o mero desejo
De que o leve as águas

Porque anseio ir além
Pra onde tudo é o fim
O tejo me segue também
Pois já é parte de mim

E se um dia eu voltar
Já não seremos quem fomos
O tejo será este mar
Que eu e ele transpomos

O.T.Velho

ART NOUVEAU

A vida é como uma tela
Pano branco, sem pintura,
Não se pode pintar nela,
Pois a tinta não segura.

Falta cor, falta pincel,
Falta mesmo é um pintor,
Que desenhe sem papel,
E seja ele mesmo a cor.

E que assim se muiltiplique,
Nas cores que ele sinta,
Pra que a tela branca fique,
Toda pintada sem tinta.

O.T.Velho

TRANSVERSAL

No colo da noite calma,
Nada se encontra senão,
Os rútilos rastros da alma,
Pesar-me no coração.

Como quieto ou ausente,
Cravado em tardo açoite,
A inconstância diferente,
De eu ser alma ou noite.

E porque nada se acaba,
Não me permito acostumar,
Em ser noite que desaba,
Em alma sem acordar.

O.T.Velho

O PIANO

O piano sente na pele
A partitura estudada
Pedindo que a ele revele
Na canção a ser tocada.

Tudo para, doce e quieta,
Uma nota quase muda,
Sai de mim e se completa
Com aquilo que se estuda.

Ainda assim eu desafino
Numa outra melodia
É o piano do destino
Que eu ainda estudaria

O.T.Velho

PARADISUM

I
Meu violão sangra um fá,
Inconsistente e banal,
Assim ele diz-me o que há,
E assim eu sofro igual.

Tange em compasso um ré,
Se perde nas dores do dó,
É como um beato sem fé,
Suas cordas fizeram um nó.

A custo um sol ele lança,
Na pretensa curva do mi,
E quando o lá o alcança,
Ele se esquece do si.

II
Ah violão por que choras
Que dor te faz magodo
Será acaso a das horas
De quando és dedilhado?

Ou só a mesma presença
Daquele que te dedilha
Compôs em ti a sentença
E dor igual compartilha

Ou será um acaso, amigo,
E teu destino é somente
Viver a dor sem castigo:
Tocar o que outro sente.

O.T.Velho

O CORETO

Toca na praça o realejo
E a moça de calça amarela
Ensaia roubar um beijo
Pra satisfazer o desejo
Da praça já dentro dela.

Como é leve ver a graça
E não saber donde ela vem
O macaco no centro da praça
Ve a sorte de quem passa
E ele que sorte tem?

E nesse eterno refluir
Da mesma coisa universal,
Cada fração de existir
Parece nos prevenir:
Você também será igual.

O.T.Velho

ID

Eu sou a somatória apenas,
Duma conta arredondada,
Em resultantes tão pequenas,
Que sequer foi anotada.

A irretratável ambivalência
Cujos lados tão iguais,
Fez avanços que a ciencia,
Os consideraria banais.

E nesta súmula duvidosa
Cuja íntegra não lerei,
Quiçá reste a coisa honrosa
De saber que nada sei.

O.T.Velho
 
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