sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

BRISA

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
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Na névoa esparsa
Dum breve momento
A brisa difarça
Fingindo ser vento
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E percorre macia
Na relva de lã
Às margens do dia
Por toda manhã
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Se prende no galho
Que a relva agita
E bebe do orvalho
Que nela habita.
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F.T.Oliveira

QUADRO IV

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I - ANÔNIMOMITO
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Eu tornei-me esta vereda,
Por onde segue sem rumo,
A pequena labareda
Que se apaga quando durmo.
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E porque não se recorda
Do pavio que a tem presa
De meu sonho não acorda
E nem pode ser acesa.
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Não importa o que eu faça
Neste vasto pesadelo
Porque tudo ali se passa
Só pra eu não esquece-lo.
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II - COMICIDADE APREGOADA
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Eu guardei-me na gaveta
Como troço envelhecido
Que não coube na ampulheta
Ou lá fora esquecido.
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Como pão quando amanhece
Sobre a mesa da cozinha
Porque a gente quando esquece
Faz a corda virar linha.
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E assim nalguma foto
Que alguém levou de mim
Nem eu mesmo nela noto
Que sou eu ali, enfim.
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III - ALADAS
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Direi palavras a esmo
Só pra ouvi-las, talvez,
Numa voz que sou eu mesmo
Repetindo outra vez
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E como tolas, perdidas
O vento leva consigo
As minhas frases não ditas
Guardadas vento comigo
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E do que nunca saberei
Ou daquilo que perdi
Eu somente fingirei
O que não sei, ou esqueci.
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F.T.Oliveira

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

RÉQUIEM

quinta-feira, 22 de outubro de 2009
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E meu poema tornou-se sangue
Tornou-se vinho, fel, paixão...
Foi água presa, aurora e mangue,
Mas não nasceu da inspiração.
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E o meu poema teve as dores
De um texto pobre declamado,
Teve desilusões e teve amores,
Porém não fora inspirado.
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E o meu poema teve alegrias,
Foi tão pequeno e infinito
Com pretensões tolas, tardias,
E só morreu por ser escrito.
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O.T.Velho

TREJEITOS E GESTOS

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E o meu poema fez-se velho
Surgiu, um dia, amarrotado
Me fez lembrar um evangelho
Que tinha algo anotado.
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E o meu poema fez-se carne
De condição inconsistente
Já não podia mais deixar-me
Era meu corpo ali presente.
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E o meu poema fez-se tudo
Numa sequencia interminável
Parou um dia, fez-se mudo
E assim tornou-se inacabável.
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O.T.Velho

sexta-feira, 31 de julho de 2009

MINHAS PRECATÓRIAS

sexta-feira, 31 de julho de 2009
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Eu não sou o que pareço,
Sou o lugar onde me ponho
Mas eu dele só conheço
Que faz parte de um sonho.

A outra parte em mim é algo
Que suporta minha crença
Tem trejeitos de um fidalgo
Nada diz, não dorme ou pensa.
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Uma tem em seus enganos
Os que a outra cometeu
Pois fizeram os mesmos planos
Pra não serem como eu.
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O.T.Velho

quinta-feira, 30 de julho de 2009

OLHOS DA COR DO MAR

quinta-feira, 30 de julho de 2009
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Não tira teus olhos dos meus
Pois desta mescla esparsa
Resulta em ver-me nos teus
O que nos meus se disfarça.
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Pois um olhar tanto exclama
E quando fala de si
É como o brilho ou a chama
Do meu olhar visto em ti.
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É assim que os olhos se vêem
Numa intenção de dizer
Que toda a visão que contém
Vem de um outro os ver.
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O.T.Velho

segunda-feira, 27 de julho de 2009

REENTRÂNCIAS

segunda-feira, 27 de julho de 2009
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A vida por meus olhos passa
Sem que eu perceba exatamente;
Sou a vidraça que se embaça
E a nada vê tão claramente.
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E ainda assim não sei notá-la
Ou distinguir a intenção
Da mesma imagem que se cala
Quando me escapa da visão.
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Somente sei reconhecê-la
Até onde posso arguir;
Se o céu existe numa estrela
Eu fiz-me dela ao existir.
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O.T.Velho

sábado, 25 de julho de 2009

NA ESTRADA PRA CURIAPEBA

sábado, 25 de julho de 2009
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O pneu velho na estrada
que sabe ele de ser?
Não teve a vida começada,
E bem pouco a pode ter.
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Nada foi do que não acha,
Se perdeu no segmento,
Com seu corpo de borracha
Na estrada em movimento.
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Se mais nada lhe ocorreu,
Não importa ter morrido,
Foi somente um pneu,
No bem pouco a ser sabido.
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O.T.Velho

quinta-feira, 23 de julho de 2009

BERGANTIM DE PORCELANA E COBRE

quinta-feira, 23 de julho de 2009
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O amargo doce de um beijo
Tem um aroma de flor,
Brotada em cada desejo,
Cuja beleza é não supor.
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Tudo é segredo... uma ave,
No improviso de um passo,
Dança um ballet, tão suave,
No palco imenso do espaço.
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A mão que acena num verso,
Onde não há o que dizer,
Faz doce amargo o universo
Pra cada beijo nascer.
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O.T.Velho

quarta-feira, 22 de julho de 2009

AS TARDES DA RUA XV

quarta-feira, 22 de julho de 2009
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Eu não conheço um dia calmo,
Tudo que sei ou que conheço,
Fica à distância de um palmo
Da simetria que obedeço.
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Também não tenho a inspiração
Que justifique o mero ato
De me enredar na produção
Deste rabisco ou relato.
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Pois nada penso que entabule,
Na idéia tola e associada,
Algum escrito que se anule
Na dissertação mal começada.
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O.T.Velho

BIOMBOS E MARIONETES

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O tempo é o eterno paralelo
Na hora perdida que se trunca,
E é cada orifício deste elo
Que leva as horas para o nunca.
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Jamais devolve, não há volta,
É como a chuva de granizo
Que fere as tardes, se revolta
Só pra dizer que foi preciso.
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Então me ocorre o pensamento
Porque não para de chover?
Pois se o granizo fere o vento
O tempo agora é pra esquecer.
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O.T.Velho

sexta-feira, 17 de julho de 2009

COURAÇA DE PAPEL MOLHADO

sexta-feira, 17 de julho de 2009
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Deste meu tempo de cristais
Só perduraram os fragmentos,
E a sensação sem ideais
Em um convés de desalentos.
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Eu já fui de tudo, já fui porta,
Fui um rabisco numa brecha
Alguma ausência que conforta
A cada porta que se fecha.
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Já fui a estrada em rotatória
Para assistir então passar,
A estranha massa incorpórea,
Que a tudo fez fragmentar.
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O.T.Velho

quinta-feira, 16 de julho de 2009

O AÇOUGUEIRO DA RUA XV

quinta-feira, 16 de julho de 2009
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Não me importa que me tomem,
Por um sujeito tão vulgar,
Igual ao pasto que os bois comem,
A cada vez que vão pastar.
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O que me importa é sim conter,
Este lugar que ninguém foi...
Ser mesmo pasto e então crescer,
Numa metade deste boi.
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E que assim me fique o inaudito,
D'alguma pobre e velha rês,
Com as diferenças que acredito,
Mas tão igual a mim, talvez.
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O.T.Velho

segunda-feira, 13 de julho de 2009

DESAFORISMO

segunda-feira, 13 de julho de 2009
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Toda canção é como a folha,
Um fragmento que se solta,
Caindo leve como bolha,
Por um instante e nunca volta.
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E uma canção quando ouvida.
Ou quando a gente dela sabe.
Cria uma imagem repetida,
E assim repete até que acabe.
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Eu já não sei como se canta
Pois todas formas de canção
Ficam em mim só na garganta
E, desse jeito, morrem então.
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O.T.Velho

A LOJA DE DOCES DA RUA XV

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É tudo um engano... Pisa leve
Pois toda coisa é dita assim
O mal de alguma é ser tão breve
Para em outra não ter fim.
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É um passo falso, certamente,
É chão aberto que se pisa
Nenhum engano dói na gente
Tampouco dói em quem precisa.
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Então assim, nesta cadência,
Somos forçados a errar,
Esta é, talvez, a maior ciência,
Pois o viver é se enganar.
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O.T.Velho

NO CALÇADÃO DA RUA XV

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Este meu jeito quase humano
Às vezes chega a convencer
Que o contracenso do engano
É tão somente parecer.
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Não que eu prometa, nem refaça,
Ou justifique a coisa dita
Mas por fingir a mesma graça
Quando alguém não acredita.
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Então sou sempre enganado
Por esta quase humanidade
Que sempre faz do gesto errado
Uma discreta piedade.
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O.T.Velho

A PONTE RECLINADA

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O espelho é um fragmento
Que fugiu à explicação
De meu torpe pensamento
Que não viu sua razão.
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O que mostra sua imagem
Não é o tanto que revela
Mas somente uma linguagem
Que no vidro se congela.
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E nas formas que ele insiste
De mostrar o que não vê,
Outra assim igual consiste
Nestes versos e quem os lê.
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O.T.Velho

LAS CALLES DE MONTEVIDEU

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...então segui pro rumo norte
E por estreitos que não vi
Que toda estrada leva à morte
E eu não sei porque segui.
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E neste estranho paradeiro
Cujo destino se nos furta
Não me refiz, segui inteiro
Tornando a vida tola e curta.
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São só presságios, o princípio
De uma idéia que não rima
Já não tolera o particípio,
E fica no verso onde termina.
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O.T.Velho

NO ESTREITO DA RUA XV

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Dá-me tua mão através do dia
O dia é somente uma passagem
Na rua estreita e não deveria
Reaparecer na outra margem.
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Dá-me as mãos invente alegria,
Pois todo o resto é só bobagem
E a rua morta, então vazia,
Ressurgirá com outra imagem.
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Dá-me as mãos, a aragem fria,
Já não parece ser aragem
Mas frios ventos, covardia
Dá-me as mãos e então coragem.
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O.T.Velho

ESTUDI DELLA RICORDANZA

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E toda recordação só é isso,
Uma fuga ou simplesmente,
Um ponto fraco, movediço,
Para alguém lembrar da gente
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Assim eu tento não lembrar-me,
Porque um outro esquecerá,
E tão facilmente me desarme,
E à outra coisa passará.
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Mas muito embora eu me afaste,
A recordação sempre me segue,
Por confiar que eu não a gaste,
E para sempre a carregue.
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O.T.Velho

CIRANDA EM XEQUE

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É só um tabuleiro de xadrez
O modo como eu me vejo
Pois cada peça perde a vez
Pra dar origem a um desejo.
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É só um jogo... é só um jogo
Que nunca é facil de parar
É a devoção de amor ao fogo
É a abstenção de não jogar.
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É uma ciranda que culmina
No ponto alto em que ficou
A descontinuidade que origina
A peça errada que jogou.
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O.T.Velho

ELUCUBRAÇÕES INSÓLITAS

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Releio, nas folhas do caderno,
Correspondências que mantive,
Nas incertezas do inverno,
Com os brancos lagos onde estive.
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Falo das noites, madrugadas
De algo em mim que emudeceu
Dessas notícias esperadas
Pelo que nunca aconteceu.
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Das brancas nuvens, o arrepio
Que nos provoca o temporal
Que basta ao inverno já ser frio
Nunca é preciso ser igual.
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Falo também do quão difícil
Torna-se ao homem entender
Que toda vida é como um vicio
E da qual é fácil se embeber.
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E falo também, a cada folha,
Do que não pude suportar
Pois toda vida é uma escolha
E só o caderno pode errar.
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O.T.Velho

À BEIRA DA ORLA

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Da noite me basta o lampejo,
A antevisão dos abrolhos,
Pra que eu sinta um despejo
Correr-me no rio dos olhos.
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Sargaços, mangues e lodos
Foram o que vi comumente,
Que acostumei-me com todos,
E já nem sou diferente.
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Se uma idéia sempre nos trai
Pode-se em outra rever,
Que o mais distante que vai
É à véspera de retroceder.
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O.T.Velho

NAS ESCADARIAS DE ANDALUZ

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A referência ao intangível
Que a minha mente reproduz
Só há de ser perceptível
Nas escadarias de andaluz.
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É como o sol dourado e fresco
Ou a agonia louca e cega
Que num arroubo quixotesco
Fere aquele que a carrega.
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E tudo segue uma tangência
Como um comboio que discorre
Pois atingiu esta freqüência
Da coisa viva que não morre.
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O.T.Velho

A RAIZ DO CUBO

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O tempo de tudo é tão lento
Só dura o tempo que faz
Um breve instante, um momento,
Do que ficou para trás.
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São voltas,vindas e idas
São fragmentos de cenas
Imberbes imagens surgidas
Por um minuto, apenas.
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Já não possuímos os sábios
E o que se ouve é a tolice
É o movimento em que os lábios
Repete o que nunca disse.
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O.T.Velho

domingo, 12 de julho de 2009

IMAGENS SAZIONAIS

domingo, 12 de julho de 2009
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Escute a voz na tempestade,
O temporal que não desaba,
É lá que existe a verdade;
A vida surge quando acaba.
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E neste eterno movimento
De tudo prestes a acabar-se
Há de surgir um pensamento:
Nada passou de um disfarce.
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Assim escute os temporais ,
Que o vento leve não empurra,
E faz de coisas tão banais,
Esta verdade que sussurra.
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O.T.Velho

DECLARAÇÃO DO ALVORECER

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O meu olhar roubado ao teu
não é somente um olhar
Mas um rubor que se escondeu
Entre a manhã, aurora e mar..
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Pois as manhãs derramam óleos
Sobre a varanda de tecidos
Da cor perdida de meus olhos
Em teus olhares escondidos.
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É natural que eu não te veja
Apenas sinta quando vens
Que és a manhã e o sol te beija
Não tenho nada e tu me tens.
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O.T.Velho

sexta-feira, 10 de julho de 2009

A HERANÇA DE PORFÍRIO ALCEBÍADES

sexta-feira, 10 de julho de 2009
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Não foram os dias de inverno
Que trouxeram tanto frio
Inventaram o dia eterno
Criaram sombras, encobriu-o.
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E não foi o frio rigoroso
Que apagou todo o calor
Deixou um gosto licoroso
E nossa sede sem sabor.
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Não foi nada, não foi nada
Que aumentou os dissabores
Foi somente a coisa errada
E o inverno deu-lhe as cores.
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O.T.Velho

quinta-feira, 9 de julho de 2009

UM DIA SEM GRAÇA

quinta-feira, 9 de julho de 2009
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Na calçada molhada se repete
A imagem fria que desloca
O som confuso dum trompete
Que a gente ouve e ninguém toca.
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Pois nenhum ouvido o irá notar
Ou distinguir como canção
O que sentiu de ouvir tocar
Ou se ele foi tocado ou não.
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Na calçada fria e tão molhada
Qualquer palavra tem o som
De uma cantiga não tocada
Ou que afinal perdeu o tom.
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O.T.Velho

QUADRO I

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I - FIAMBRES E LICORES
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Os meus dias são caminhos
São estradas sem lugar
São pequenos pedacinhos
Que haverei de remendar.
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E este tempo que eu terei,
Como sobra remendada,
Do que em mim fragmentei,
Pra seguir em outra estrada.
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Os meus dias são roteiros
De uma peça que ficou
No papel, entre os tinteiros,
Deste livro que não sou.
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II - DESDE MUITO
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As horas não passam, parece
Que o tempo se emudeceu
Já quase nada acontece
Só coisa alguma e eu.
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E eu, como sempre, perdido
Revejo igual semelhança
Num tempo em mim esquecido
Guardado só na lembrança.
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E nos refrões da cantiga
Tudo que busco é entender
Mas temo que não consiga
Porque há muito a esquecer.
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III - AMOR, ESTRANHO MODO
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É luz, é fogo o que eu sinto,
Uma canção, um trocadilho,
Um sentimento indistinto
Fração de luz, quase sem brilho.
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É redenção, é dor, paixão
Uma agonia que devora,
Corrói o peito, o coração,
Fica pra sempre e nem demora.
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É uma paz que se consome
Na alegria de ser triste,
Pela razão que não tem nome
E apenas sei porque existe.
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F.T.Oliveira

terça-feira, 7 de julho de 2009

NÃO FOI NADA...

terça-feira, 7 de julho de 2009
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Foi só meu sonho acordado
Que pela noite perdida
Tentava ser relembrado
De acordar-me em seguida.
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Foi só o meu rumo diverso
De um conteúdo qualquer
Que fez meu sonho disperso
Seguir em rumo qualquer.
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Foi só um pouco ou o nada
Do que eu vá presumir
E que fez a noite acordada
Não mais deixar-me dormir.
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O.T.Velho

sexta-feira, 3 de julho de 2009

UM GRITO NA JANELA

sexta-feira, 3 de julho de 2009
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...a minha poesia já não grita
Nem tem a voz que dilacera
Ela é como as aves e se agita
No breve tempo de uma espera.
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É como o vento, frio e leve,
É como a neblina que percorre
Na palidez de um texto breve
A sincronia do que morre.
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E é como a dor que se desata
Numa verdade presumida
Porque não dói e sim retrata
A não existência da ferida.
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O.T.Velho

quinta-feira, 2 de julho de 2009

CARVOARIA

quinta-feira, 2 de julho de 2009
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...e remarei contra marés,
Irei seguir pra além do mar,
Nos arredores sem convés
Numa distância sem lugar.
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Eu vou seguir até que aviste
O outro lado do horizonte
Porque no mar somente existe
A travessia e uma ponte.
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E vou remar no rumo gasto
Nas últimas paginas da história
Deste poema que arrasto
Pra o infinito da memória.
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O.T.Velho

quinta-feira, 25 de junho de 2009

DE UM JEITO UE NINGUÉM PERCEBA

quinta-feira, 25 de junho de 2009
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Hoje sou como um retrato
que o tempo dependura,
E que só foi dependurado,
Pra encobrir a rachadura.
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E na parede onde se acha,
Já tornado parte dela,
Não percebe que se racha
De um jeito igual a ela.
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Assim sinto que eu sou,
Como ele e estaria
Na parede que o rachou
E eu também não saberia.
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O.T.Velho

quarta-feira, 24 de junho de 2009

SUBÚRBIOS DO SILÊNCIO

quarta-feira, 24 de junho de 2009
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A tempestade que se aquieta
Já não é mais tempestade
Porque fez-se mais discreta
Que respingos na umidade.
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E na imagem cinza e turva
Que se cola na vidraça
Só se vê a estrada curva
E alguém que nela passa.
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E aos poucos, sem que eu olhe,
Fica o dia terminado,
E a impressão de que ela molhe,
Só o que vi ficar molhado.
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O.T.Velho

segunda-feira, 22 de junho de 2009

NO EPITÁFIO DOS TORQUATO VELHO

segunda-feira, 22 de junho de 2009
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Há na tristeza imaginária
Que ora existe, ora não,
Uma sombra solitária,
A qual chamamos solidão.
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Ela ressurge da leveza,
De um momento que a gente,
Se entregou à incerteza,
E o fez completamente.
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E é assim, na manhã rubra,
Que o perdido é encontrado
Numa sombra e se descubra
Como morto no passado.
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O.T.Velho

sexta-feira, 19 de junho de 2009

A MAÇANETA DE BRONZE

sexta-feira, 19 de junho de 2009
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Tão longe, além da distancia
Esquecida nalgum lugar
Foi lá que deixei a importância
De me perder ou chegar.
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Tornei-me fechado, um cerco,
Como farol numa ilha
Como a flor morta no esterno
Deste farol que não brilha.
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E assim em tudo que eu sinto
Existe somente o espaço
De onde se ergueu o labirinto
Das ruas por onde passo.
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O.T.Velho

quarta-feira, 17 de junho de 2009

OS AVENTAIS MOLHADOS

quarta-feira, 17 de junho de 2009
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antes que o dia se apague
eu terei que me lembrar
De um algo que me trague
Qualquer coisa a recordar.
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Eue não me seja tão bizarro
Quanta à mesma opinião
Que mantenho quando narro
O não haver recordação.
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E que não torne este tropeço
Um constante nevoeiro
Pra não ser como me esqueço,
Nem completo, nem inteiro.
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O.T.Velho

FRAGMENTOS DE UM DIA CHUVOSO

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A minha canção se faz poema,
Ondas e versos sobre o mar
Nas poucas frases de um tema
Só pra ouvir e não cantar.
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Porque eu sei, na escuridão,
Não se permite alguém expor
Algo que lembre uma canção
Que tenha vida, brilho e cor.
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Assim o vejo pois, decerto,
Longe da luz, longe do dia,
Todo poema é encoberto
Por qualquer voz que silencia.
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O.T.Velho

PROSCRIÇÃO

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...então fugi sem levar nada
Pois pouco tinha que pegar;
Um travesseiro, uma almofada
E uma foto antiga do Lugar.
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Não é comum que a gente saia
Sem ter um nada pra esquecer;
Algum xaxim sem samambaia
Ou qualquer coisa pra comer
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Mas foi assim que eu sai,
Deixando o nada que eu tinha;
As madrugadas que não vi
E a eterna noite que era minha.
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O.T.Velho

segunda-feira, 15 de junho de 2009

OSTRACISMO INCONDICIONAL

segunda-feira, 15 de junho de 2009
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Por lugares que não sei
Eu me perco, me desmembro,
Pinto formas que criei
Sobre imagens que não lembro.
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E como tantos, desmembrado,
Sinto eu que nada passa,
De um lugar, onde pintado
Vi meu rosto fingir graça.
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Uma graça sem leveza
Que conserva e ainda acende
O pavio da tristeza
Neste fogo que me prende.
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O.T.Velho

AS PROBABILIDADES DO ZERO

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A saudade, não vou senti-la
Nem levo jeito pra isso
Pois ela é gota de argila
Em pingo mais quebradiço.
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A noite sim é infinita
E nem termina quando acaba
É agonia que não grita
E é chuva que não desaba.
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E na solidão que atravessa
As horas sem ter licença
Ela é o todo que expressa
Aquilo que a gente pensa.
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O.T.Velho

domingo, 14 de junho de 2009

ADOLESCÊNCIA

domingo, 14 de junho de 2009
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Nunca contes pra ninguém
O segredo que eu lhe disse
Pois eu sei, se ouvi-lo alguém
Pensará que foi tolice.
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Foi tolice que eu pudesse
Casualmente segredar
Esta coisa que se esquece
Se o outro não falar.
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E se um dia, entretanto,
Te lembrares que ouviu
Esquecerás eu te garanto
Do segredo que existiu.
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O.T.Velho

sábado, 13 de junho de 2009

A QUEM POSSA INTERESSAR

sábado, 13 de junho de 2009
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Cada dia é um subsequente
Ao resto amargo do ontem
É só um fragmento presente
A detalhes que outros contem.
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E embora eles doam na gente
É tão difíl não pensar
Que ainda há os que comentem
Só para gente se lembrar.
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Assim nos dói a lembrança
Não da coisa relembrada
Mas do vulto que ela alcança
Por ter sido comentada.
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O.T.Velho

sexta-feira, 12 de junho de 2009

MEA CULPA

sexta-feira, 12 de junho de 2009
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Na minha alma se escreveu,
De uma forma justa e breve,
A estranha pagina que sou eu:
A mão ferida que a escreve.
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E nos momentos de abandono,
Relendo em mim o que escrevi,
Em tudo vejo só um dono
Que são as verdades que omiti.
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E agora sim talvez eu deva
Pedir aquele que for ler;
Jamais questione ao que escreva,
Busca somente se entreter.
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O.T.Velho

quarta-feira, 10 de junho de 2009

CANÇONETA PORTUGUESA

quarta-feira, 10 de junho de 2009
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A água escorrendo no beiral
Faz o meu dia ser tão triste
Porque eu sinto outra igual
Neste beiral que em mim existe.
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Tento buscar uma maneira
Pra esquecer-me deste assunto
Pois quando a água cai na beira
Sinto eu mesmo cair junto.
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Se pouca gente entenderia
Vejo que tudo me esqueceu
Só me restou a poesia
E no beiral, a água e eu.
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O.T.Velho

SOMBRAS E CISCUNSPECTOS

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E finalmente anoiteceu
Assim o sei porque parece
Que noite igual a tenho eu
Por isso sei quando anoitece.
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O amanhã talvez me venha
E de um modo diferente
Traga-me algo que não tenha
Esta apatia tão frequente.
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Mas por agora o tempo urge
O carrocel não vai parar
Na noite magra que ressurge
E onde o sol não vai raiar.
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O.T.Velho

O CAIS DE BEIRA-RIO

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À calma do mar me assusto,
Vejo naves encalhadas,
Que navegam a todo custo,
Como, não sei, assustadas.
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Esta atmosfera me afeta
De um modo comparável
Ao vazio que a projeta
E que a faz interminável.
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Pois o cais de beira-rio
Se escondeu no nevoeiro
E pra buscar cada navio
Foi perder-se por inteiro.
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O.T.Velho

terça-feira, 9 de junho de 2009

O CHARCO DA CASA VELHA

terça-feira, 9 de junho de 2009
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É esta estranha repetição
que me faz reformular
Nas palavras que dirão
Quando alguém as perguntar.
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O que sou e o que pareço?
O que fiz do meu espaço?
E porque nunca me esqueço,
De ser tudo que não faço?
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Tantas peguntas devem ter
As respostas que objetem,
O que não posso é entender
Porque tanto se repetem.
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O.T.Velho

À LUZ DO CANDEEIRO

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A noite é repleta de imagens soltas
E lembram algo que não existiu;
Vultos escondidos e marés revoltas,
Silêncios, vozes que minguem ouviu.
.
O vento da noite a pele me toca,
E eu sinto algo que não sei definir,
É como um vazio que em mim coloca,
Uma espera longe de se concluir.
.
E as imagens turvas parecem dizer,
Todo sentimento que em mim passasse,
Numa alegoria estranha de se antever
Na morte surgindo o dia que nasce.
.
O.T.Velho

INFANTILIDADES SERTANEJAS

.
Os pássaros
de minha aldeia
Tinham o canto suave
.
Vigiavam as manhãs
e partiam sempre
aos primeiros
raios de sol
.
Iam para o indeterminado
e insabido
.
Penso hoje
que aqueles pássaros
eram minha infância
.
Hoje não mais os vejo
.
Não há mais canto suave
nem manhãs
nem raios de sol
.
Hoje a noite é eterna
.
O.T.Velho

segunda-feira, 8 de junho de 2009

NO RELÓGIO QUE ME OLHA

segunda-feira, 8 de junho de 2009
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...e leve o tempo que leve
Sem motivos ou porquê,
Jamais serei como se deve
E nem do modo que se cre.
.
Encontrarei um mundo vasto,
Onde um nada foi plantado,
E lá serei o tempo gasto
Pra me achar e ser achado.
.
E um dia todos os ventos
Varrerão este lugar,
E encontrarão meus pensamentos
...leve o tempo que levar.
.
O.T.Velho

TANGIDOS DA MANHÃ

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vou mudar-me pr'uma casa
Onde nada seja assim
Onde a vida se estravasa;
Eu vou mudar-me para mim!
.
Eu não sei se isto existe
Ou se fora inventado
Pra que nada seja triste
Quando eu tenha mudado.
.
Mudarei em meio ao sono
Pois a noite não termina
Uma noite não tem dono
Falta sol em toda esquina.
.
O.T.Velho

AVISO AOS NAVEGANTES

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É só uma frase, um escrito
D conteúdo disperso
De um algo que acredito
E que pensei ser um verso.
.
E não fora eu a compô-la
Porque somente confronta
A uma idéia tão tola
Com a estrutura já pronta.
.
É feito um desenho borrado
Que não parece pintura
Pois nunca foi terminado
Por isso sei que não dura.
.
O.T.Velho

A VIGA DO ESTRADEIRO

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Um barco à vela la vai
Pelo tapete que é o mar,
Como alquém que se distrai
E não lembra de voltar.
.
As velas rubras ao sol
O vento que tange perto,
As águas como um lençol
Sob um corpo descoberto.
.
Um barco à vela e só
um barco à vela mais nada,
Num palanquim de cipó
Sobre a areia salgada.
.
O.T.Velho

ITAOCA DE IMBIRA

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sorve o silencio, degusta
o resto parvo da dor,
Pois afinal não te custa
Fingir aquilo que for.
.
Sinta este nada observe-o
Pois ele mesmo levou-te
a rasgar a pele indelevel
Dos finos traços da noite.
.
sinta o suor, o batuque,
e a agonia fremir,
para que nada machuque
o sono que não quer vir.
.
O.T.Velho

RECOMEÇO SIMBIÓTICO

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Refaço em vão minhas pegadas
Porque não sei onde falhei,
pois foram tantas caminhadas
Que me perdi e nada achei.
.
Se noutro tempo eu saberia
Hoje somente o ignoro,
Cada pegada é como um dia
E sangra a vida em cada poro.
.
E a inconstancia do refeito
(Onde eu sempre me atrapalho)
Me leva a agir sempre direito
E ser em tudo apenas falho.
.
O.T.Velho

LAMENTAÇÃO LENTA

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Ja me cansei de tanta estrada,
Do rumo incerto que ecoa
Em meus caminhos de alvorada,
E de andar tão sempre a toa.
.
Da estiagem que arrefece
os campos verdes de outrora,
E a mão suada que aparece
Nesta vontade de ir embora.
.
Já me cansei, estou cansado,
tão exaurido de não ver
No meu poema terminado,
O que não pude descrever.
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O.T.Velho

ALGUNS TROCADOS

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Eu sempre finjo que esotu bem
Mas estar bem jamais será
A concepção que tem alguém
De tudo quanto em outro há.
.
E eu sempre finjo não protesto
jamais me posto veemente
Tudo afinal é como um gesto
Uma mentira que há na gente.
.
Mas não importa eu sempre finjo
Até por coisas que não sei
Na pressuposição de que atinjo
Aquilo que não fingirei.
.
O.T.Velho

INSPIRAÇÃO PROSAICA

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Olho de volta em torno
Do dia que me revela,
Um sol pequeno e morno
Em meio à tarde amarela.
.
Como um suposto sinal,
Algo perdido no olhar,
Pois só se vê afinal
O nada além de imaginar.
.
Olho em torno de volta,
E tudo cai num contexto
Onde a ideia se solta
Pra que eu termine o texto."
.
O.T.Velho

sábado, 6 de junho de 2009

AS CISMAS DE UM BUROCRATA

sábado, 6 de junho de 2009
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Sou como a ordem de serviço
Que nunca fora expedida;
Então por isso, e só por isso,
Ela não será restituida
.
E seus valores não expressos,
E a escassez percentual,
Lembram mesmo meus excessos
Ou se comportam como tal
.
E neste fiel descumprimento
De fatura não lançada,
Só existe o movimento
De coisa alguma para nada.
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O.T.Velho

sexta-feira, 5 de junho de 2009

PÉS DESCALÇOS SOBRE AREIA

sexta-feira, 5 de junho de 2009
.
Colo meu rosto sobre o mar,
Nas frias tardes de outono,
Na intenção de perguntar
Porque sinto este abandono.
.
Mas não busco só respostas,
Busco mesmo me entender,
Como as flores nas encostas
Que tão pouco podem ver.
.
Assim mergulho em cada onda,
Do profundo que há em mim,
Pra que o mar talvez responda
Porque mesmo sou assim.
.
O.T.Velho

O ADEUS DOS IMPOSSÍVEIS

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Os pensamentos de cristais
Às vezes perdem-se no vento
Seguem pra onde não são mais
O que os fez ser pensamento.
.
E o vento os leva, rodopia,
Numa ciranda interminável
Feita de cor e poesia,
De um sentimento imutável.
.
E na ignorada voz suprema,
Desta canção jamais igual,
Ouve-se, ao vento, um poema,
De um pensamento de cristal.
.
O.T.Velho

quinta-feira, 4 de junho de 2009

OS DIAS DE INVERNO

quinta-feira, 4 de junho de 2009
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Vou recomeçar a minha vida
Por um momento inexato
Duma memória esquecida;
Por um bilhete e um sapato.
.
Saber de nada me estranha,
É como alguém sem endereço;
Neve descalça na montanha
E um bilhete sem começo.
.
Saber de tudo, no entanto,
É bem maior que estranheza;
Sapato velho em um canto,
Nenhum bilhete sobre mesa.
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O.T.Velho

NA FALTA DO QUE DIZER

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Que direi dos sonhos que tive
E de tantos quanto mantenho
Ou daquele que sobrevive
Ainda na forma de um desenho.
.
Que dizer do quanto sonhei
E sobre tudo que eu seria
E do quanto eu me replanejei
Pra realizar cada sonho um dia.
.
Que dizer!... ora! O que dizer,
Se todo o sonho realizado,
Não é igual a se satisfazer
No que se houvera já imaginado.
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O.T.Velho

quarta-feira, 3 de junho de 2009

QUOTIDIANO

quarta-feira, 3 de junho de 2009
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As Minhas vestes, um dia,
Rasgaram como a manhã
Porque o sol não surgia
E toda coisa era vã.
.
As minhas vestes fiadas
Com pano branco de linho
Eram manhãs, alvoradas,
Feitas de sol e caminho.
.
Mas houve um dia então
Que se romperam as linhas
Pois se tornaram ilusão
Embora sei: eram minhas.
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O.T.Velho

AS REENTRÂNCIAS DA FACE

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Nenhum silêncio se basta
Nas horas do não dizer,
Pois o não dito se gasta,
Na busca de se manter
.
Assim as velhas respostas
Das coisas que procurei
Se interagem, opostas
A perguntas que já não sei.
.
Eu estive errado, confesso,
E o meu silêncio dirá
Numa palavra, inespresso
Porque ninguém ouvirá.
.
O.T.Velho

CEM DIAS DE INTERLÚDIO

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Ainda estou por descobrir
De que é feita minha sina;
Pouco sei do que é sorrir
E nada há que me defina.
.
Um dia, sei, talvez mudado,
Irei sorrir do que ja fui
Então direi: Fiz tudo errado,
Sou quem nada mais possui.
.
Ou não direi coisa alguma
Nada mais talvez me caiba.
Vai-se a vida como espuma
Sem que a gente nada saiba
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O.T.Velho

NO ANTEPOSTO DO REVERSO

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Sou o outro lado dá rua
Uma rua triste e vaga
Onde vive a imagem nua,
E o torpor que embriaga.
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Sou o esquecimento, a visão
A embriaguês que não resiste,
Vive a em mim a multidão
No silêncio de ser triste.
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Sem palavra ou trejeito,
Sou apenas o não sei quê
Que me fez um beco estreito,
Todos olham, nnguém vê.
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O.T.Velhoo

O CHALÈ DAS MONTANHAS

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Era a antiga casa se sapé,
Perdida num vilarejo,
Tão simples, sem chaminé,
E rica como um desejo.
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Fincada bem nas dividas
Onde o longe se encobre
Tinha as formas precisas
De ser feliz mesmo pobre.
.
E no altiplano esfumacento
Onde não ver é ver bem
Eu a ouvia na voz do vento
E além de mim mais ninguém.
.
O.T.Velho

O AMETISTA DE MADALENA

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É somente uma vela com certeza,
Uma vela somente fria e vaga,
Não sei do motivo porque foi acesa
Compreendo apenas que enfim se apaga.
.
É apenas uma vela sem pavio,
Um corpo morto que ninguém reclama,
Que perdeu as forças em um desafio,
Porque era vela e não quis ser chama.
.
É apenas isso, e pra nunca mais,
Repetirei o que é feito dela,
E se meus motivos são residuais
É porque sou chama, nunca serei vela.
.
O.T.Velho

ALIJAMENTO

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Sussurram na escuridão
Um atentado, um perjuro,
Uma qualquer confissão
Que só é feita no escuro.
.
É a dor febril que desata
Essa agonia inexpressa,
Que no ouvir se dilata
E no calar se confessa.
.
É feito uma sede voraz
De vitupério e mentira,
Que só o tempo desfaz
E outra coisa não tira.
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O.T.Velho

O PALHAÇO

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O palhaço enxuga o rosto
Num aceno zombeteiro,
Dissimulado, descomposto,
Zombando do picadeiro.
.
Se contorce e dá um salto,
Amortece a cambalhota,
Projetando o sobressalto
Um tropeço e uma lorota.
.
Se aventura num sorriso,
Na cara suja de talco,
Amargurado e impreciso,
Na tristeza de um palco.
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O.T.Velho

RUMOREJO

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O rio segue pelo leito,
Eu sigo o rio que há em mim,
Um que tornou-se tão estreito,
Por eu segui-lo mesmo assim.
.
O outro vem quando orvalha,
Nas rubras flores da manhã,
Num cheiro doce, na migalha,
De água corrente e hortelã.
.
Pois bem eu sei, um belo dia,
Irei parar e o rio morre,
E a água clara que eu seria,
Irá secar enquanto jorre.
.
O.T.Velho

ESTIAGEM

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Em certas coisas esquecidas,
Perde o homem a identidade,
E embora sejam parecidas,
Uma é a vida, a outra saudade.

Assim nós somos uma fuga,
De uma razão que se perdeu,
E a recordação então enxuga,
Isto que a todos esqueceu.

Pois toda coisa não lembrada,
Respira fundo numa voz,
Que por não ser vociferada,
Será apenas isso em nós.

O.T.Velho

CONTRIÇÃO

.
Guarda-me como segredo,
Feito verso nunca lido...
O que é dito morre cedo,
Não me faça ser ouvido.

E as palavras que se vão,
Propensas ao movimento,
De outro modo existirão,
Na voz perdida do vento.

Assim de mim não propale,
Um algo sequer escrito,
Pois num segredo o que vale,
É a chance de não ser dito.

O.T.Velho

ROMPE RUMO

.
O trem apitando distante,
Em um lamento infinito,
É um chamado fumegante,
Entre os dentes do apito.
.
E eu que o ouço da cabine,
Em que viajo solitário,
Penso que nele se combine,
Eu e meu destinatário.
.
Rompe rumo, rompe rumo,
Assim ouço mas não sei,
Se de fato me acostumo,
A não saber pra onde irei.
.
O.T.Velho

RUBOR

.
O meu tempo de espera,
O que aguarda eu não sei,
Creio apenas que pondera,
Naquilo que não serei.
.
Vasta sombra que se afasta,
No sentido de ocultar,
Nessa planície tão vasta,
Aquilo que quer brilhar.
.
Toda espera é letargia,
Que os sentidos conforta,
Mas que apenas prenuncia,
Uma esperança já morta.
.
O.T.Velho

FRUSTRAÇÃO

.
Uma velha estrada conduz,
A destino tão incerto
Para aquele que deduz
Que o percurso não é perto.
.
É a distancia que agiganta
A medida em que se crê,
Que o seguir não adianta
E o ficar é sem porquê.
.
Pouca coisa se assemelha
Á incerteza destinada,
A ficar na estrada velha
Ou ser velha sem estrada.
.
O.T.Velho

POEMA

.
E era o meu verso sozinho,
Emudecido, calado,
Surgindo devagarzinho,
Como um menino assustado.
.
E eu de mim que o via,
Nas dobras do alvorecer,
Surpreendido, sorria,
Só não o sabia escrever.
.
E um sopro longo e leve,
Tão derradeiro e infinito,
Conclui: o menino se escreve,
É poema que vem escrito.
.
O.T.Velho

CONSTRANGIMENTO

.
O passado me reconhece,
Como um algo que perdeu,
É uma coisa que parece,
Em si mesma sendo eu.

E a minha pluralidade,
A si mesma se constrange,
Como a suposta metade,
Desta coisa que ela abrange.

E por contê-la de perto,
O que sinto é uma tristeza,
Disso tudo que é incerto,
Não sou livre, ela é presa.

O.T.Velho

CASA VAZIA

.
Na casa vazia, um galope,
De coisas tangidas, de nada,
Que entorpecem e entope,
Minha manhã começada.
.
Neste atropelo se gruda,
O meu olhar que repara,
Que a confissão se faz muda,
Quando a gente a declara.
.
E nessa fagulha se acende,
Os restos de uma prece,
Que ao meu silêncio se rende,
E nada mais acontece.
.
O.T.Velho

SANGRA-ME

.
Quando estou em não é nada,
Vejo sangra-me o lampejo,
De uma névoa estagnada,
Deste nada ao que não vejo.

Quando vou a não sei onde,
E encontro o que não sou,
Algo em mim se corresponde,
A buscá-lo onde não vou.

E só assim sinto-me como,
O nada raro que me trai,
Feito bagaço de um gomo,
Deste sangue que não cai.

O.T.Velho

OMISSÃO

.
Tudo que nos parece bom,
É algo que nunca fica,
É um sobressalto no tom,
O simples que se complica.
.
É a distancia que se alinha,
Estabelecida quando eu,
Fiz da coisa sendo minha,
A minha que se perdeu.
.
E se perder é uma premissa,
Pra ganhar de outro modo,
Esta idéia tão omissa,
Pensará se eu concordo.
.
O.T.Velho

ACORDEON

.
No acordeon que calou-se,
Uma nota se perdeu...
Era música tão doce,
Pois ninguém a escreveu.

Na lembrança, vem e vai,
De um fole enrijecido,
A melodia assim se trai,
E o som não é ouvido.

Fica apenas um lampejo,
Neste ritmo sem som,
Radicado num desejo,
Que seria acordeon.

O.T.Velho

CRASSO

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Arranca um verso da boca,
E na frase que faz o verso,
Ponha a palavra mais louca,
Na linha deste universo.
.
Não diga somente aquilo,
Que pesa em teu coração,
Todo segredo ou sigilo,
Te escapará pela mão.
.
E o tempo sempre conspira,
Em tudo que nos invade,
Pois só existe a mentira,
Que nós chamamos verdade.
.
O.T.Velho

AÇOITE

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O açoite que corta calado,
Os rumos negros da noite,
É corpo viril machucado,
Irmanado ao mesmo açoite.
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Fere o peito rude e bronco,
Espantado, negro e esquivo,
É um nervo sangrando no tronco,
É um tronco agora mais vivo.
.
Já por fim a mente se rende,
Na figura confusa e cansada,
Mas se assim o corpo aprende,
Esta alma nunca é domada.
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O.T.Velho

RASCUNHO

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Minha poesia inacabada,
Que o tempo não rimou,
Nunca pode ser cantada,
Já não pode ser rimada,
E não pode ser quem sou.
.
Minha poesia sem papel,
Sem caneta nada enfim,
Foi a coisa mais fiel,
Uma estrela no meu céu,
Uma parte dele em mim.
.
Mas nada disso eu diria,
Se pudesse descrever,
Que em mim a poesia,
A si mesma se escrevia,
Eu precisei apenas ler.
.
O.T.Velho

RABISCOS

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Ouve a solidão, quando fala,
É como pedra em calabouço,
E em seu barulho propala,
O som igual que não ouço.
.
O que se ouve é somente,
Este silêncio de espuma,
Do que prendemos na gente,
Por não sentir coisa alguma.
.
E esta angústia com certeza,
Ocorre só mesmo enfim,
Em um momento de fraqueza,
Que é tão forte só em mim.
.
O.T.Velho

BAMBOLÊ

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Farei uma casa de veludo,
Com telhado de chocolate,
As paredes serão de tudo,
Terei um criado mudo
E um lustre verde abacate.
.
A mobília será de papel,
E no teto de cartolina,
Vou desenhar outro céu,
Destes que saem do pincel,
De criança pequenina.
.
A casa não será só minha,
Pois criança quando sonha,
Ela nunca está sozinha,
Ela é feito uma estrelinha,
Desenhada sobre a fronha.
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O.T.Velho

AAMINAH

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Eu vi alguém com a tua cara,
Então lembrei-me de uma flor,
De uma flor completa e rara,
A qual chamamos de amor.
.
Não eras tu... mas entendi...
Estás em tudo o que eu vejo
Em cada coisa que não vi,
E em todas formas de desejo.
.
Mas se uma outra pode ter
A semelhança do olhar-te,
Então só sei te conhecer
Pois és o todo em toda parte.
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O.T.Velho

OPOSTOS

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Vês a página de um rosto
Que estampei em minha cara,
Só esconde meu desgosto
Como vinho em água clara.
.
E este semblante declarado
Escondido em minha tês,
Não se mostra, é guardado
Muito além do que tu vês.
.
E saberás desta maneira
Só daquilo que não fui,
Pois sou água de torneira
Que se esvai e não dilui.
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O.T.Velho

terça-feira, 2 de junho de 2009

NO JARDIM DOS TORQUATO VELHO

terça-feira, 2 de junho de 2009
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A paisagem que eu não vi
De uma maneira curiosa,
É, dentre tudo que ouvi,
A mais singela e formosa.
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Sempre terei eu pela frente
O medo estranho de que fui
uma paisagem indiferente
E que sentido não possui.
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Não vale a pena, assim me digo,
Não vale a pena recordar,
Toda lembrança é nó antigo
Que tanto insiste em te amarrar.
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O.T.Velho

segunda-feira, 1 de junho de 2009

NA VELHA CASA DOS ALCEBÍADES

segunda-feira, 1 de junho de 2009
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O meu silêncio, tão constante
E amiudemente inexplicavel
Se torna em mim desconcertante
E, entre tudo, tão palpável.
.
E nestas horas de ocaso,
Que torna tudo um precipício,
Ouço-o a dizer-me, por acaso,
Sou teu caminho mais dificil.
.
E vou seguindo a mesma trilha,
Muito pr'além da multidão,
Onde o sol de certo brilha
Mas para mim, às vezes, não.
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O.T.Velho

QUANDO O REGIMENTO PASSA

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Poeta é aquele que se vê
Em cada frase que escreve,
E se espanta quando lê
Seu infinito curto e breve.
.
Pois quem escreve se adianta
E sabe bem o que é sentir,
Traz a mentira na garganta
Porém não mente ao mentir.
.
Se pouco fala do que sente
Sente que nada lhe completa,
E, tão amiude e raramente
Sabe se é louco ou poeta.
.
E assim na dor nunca doida
Há este bem que satisfaz,
O complemento que a vida
Faz para aquele que a faz.
.
Mas um poeta... Que dizer!
Se todo mundo tem um pouco,
Da eterna dor de escrever
Para provar que não é louco.
.
O.T.Velho

A AVE SECRETA

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Existe em mim um lugar
Onde vou tão raramente,
Que mal o posso achar
E nem fazer-me presente.
.
Lá não chove, toda a vez,
Que o chover se ameaça,
Penso nele, pra talvez,
Entender que a chuva passa..
.
E este lugar tão proibido
Segredado ponta a ponta,
Vive em mim tão escondido
Num eterno faz de conta.
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O.T.Velho

A BULA DE THOMAZ

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Queria sentir outro sentir
Ou a idéia que me fosse
muito além dela existir
Ou do modo que tornou-se
.
E neste eterno sem sentido
Somente algo se ressalta
É o dualismo pretendido
Onde tudo me faz falta
.
Assim mesmo ainda queria
O olhar-me face a face
Pra entender o que eu seria
Quando tudo me faltasse.
.
O.T.Velho

AS LADEIRAS DE QUIXAD'ÁGUA

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Quando segui por mundo afora
Trlhei caminhos e os fiz
Como aquele que se explora
Porque não pode ser feliz.
.
E então a estrada se recua
E a gente vê que não alcança
Pois tem a alma ainda nua,
Nunca passou de uma criança.
.
Nada mais somos que a migalha
Que vai da mesa para o pó.
Perdeu de novo uma batalha
Voltou enfim mas esta só.
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O.T.Velho

sexta-feira, 29 de maio de 2009

UM GRITO QUE SE PERDEU

sexta-feira, 29 de maio de 2009
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O hoje por hoje me basta
E o que fiz só por fazer
É feito incêndio, devasta
Queimando sem eu querer.
.
Por hoje é só, já não mais
Farei a coisa que eu deva
Com tantos pontos finais
Impedindo que eu escreva.
.
Por hoje é só e não irei
Ser testemunha do nada
Pois nada é só o que farei
Na minha vida quadrada.
.
O.T.Velho

OS PORÕES DA CASA DE ENGENHO

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E eu me perdi na escuridão
Naquele ponto frio e baixo
Que todos chamam solidão
E tem as formas de capacho.
.
Tudo se perde, então restou-me
Da mesma forma me perder
Foi quando eu me vi sem nome
Ou só teimava em não o dizer.
.
Mas já faz tempo que assim vi-me
Que penso mesmo seja hilário
Pois muito embora tudo rime,
Ainda me sinto um solitário.
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O.T.Velho

AULAS DE PORTUGUÊS

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É um dia longo, eu sou talvez
O exemplo crasso desse dia
Que se envolveu na palidez
Onde também me envolveria.
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É um dia longo, um dia longo
Longo demais pra descrever
Feito as regras de um ditongo
Que sempre esqueço de reler.
.
É um dia longo, assim me veio
Como um ditongo oral aberto
Com acento grave bem no meio
E de um olhar meio encoberto.
.
O.T.Velho

O ABAT-JOUR DE PORCELANA

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Perdi as formas de universo
(E tudo aquilo que termina)
Tão semelhante e disperso
Como um castelo em ruina.
.
E assim sai de meu contexto
Como pedaço de um escrita
Que se perdeu, deixou o texto
Seguindo a tudo que evita.
.
Vou inventar que tudo entendo
Sei dessas formas e o que são
Pois só assim me compreendo
Dentro de tanta explicação.
.
O.T.Velho

PEQUENA VALSA, UM DITONGO

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Estudo as formas de relevo
Recrio acordes que ouvi,
Mas no momento que os descrevo
Vejo somente os que perdi.
.
E a meia luz fraca, serena,
Chamou meu corpo pra dançar,
Mas era a valsa tão pequena
Que terminou ao começar.
.
A luz se apaga e breves passos
Ainda conduzem minha mente,
Numa cadência, abrir os braços,
Pra fazer tudo novamente.
.
O.T.Velho

SÓ, PELAS RUAS DO MERCADO

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Não sei o quanto me revelo
naquilo que nunca respondo
Sei que apenas: crio um elo,
Onde me acho e me escondo.
.
Assim não perco a sensatez
De ver aos que não a têm
Fungindo em sua lucidez
Justificando o ser ninguém.
.
Assim, perdido no meu rumo,
Não sei se vou me revelar
Porque senão eu me acostumo
E temo não saber voltar.
.
O.T.Velho

quinta-feira, 28 de maio de 2009

ESTRELAS DE ANDARAÍ

quinta-feira, 28 de maio de 2009
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Um céu de estrelas parece
Levar a mundos distantes
Ao ermo que nos conhece
Pelo que fôramos antes.
.
E quando anoitece, creio,
Que tudo nos olha e vê
Como uma delas que veio
Guardar àquele que a crê.
.
Assim não creio que importa
Um outro modo de vê-las
Pois meu silencio comporta
Um céu forrado de estrelas.
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O.T.Velho

AS HORAS FEREM OS OUVIDOS DO SILÊNCIO

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Tudo que penso conspira
contra meu ânimo de ser
O alheio a esta mentira
Que tenta me convencer.
.
Pouco a dizer, a verdade,
Provém da mesma raiz
Surgida numa igualdade
Ferindo a boca que a diz.
.
Porém me esforço mas temo
Que não consiga lograr
Mesmo em esforço extremo
Fazer a verdade falar.
.
O.T.Velho

terça-feira, 26 de maio de 2009

LA NOCHE DE AYER

terça-feira, 26 de maio de 2009
Foi Ontem à noite, me lembro,
tudo quedou-se estranhamente
Em fortes golpes, cada mebro,
Pedia paz à minha mente

Tudo era igual ao não suposto
Uma mentira inventada
Escrita apenas no meu rosto
Fio por fio remendada.

Foi ontem à noite que me vi
Sentir o corpo desmembrar
Na impressão de que menti
Só pra, um dia, me lembrar

O.T.Velho

MANHÂS DE GUAYAQUIL

Meu saudosismo imaginário,
Que ora existe e ora não,
É como um medo solitário
E torna tudo solidão.

O céu de agosto tem a cor,
Que amiúde, de repente,
Faz-me pensar na intensa dor
Da solidão que há na gente.

Nada é tão raro, inconstante,
Que seja sempre imutavel,
Pois a quietude do instante
Parece ser interminável.

O.T.Velho

VENDAVAL NO VENTO NORTE

O mar me conta as histórias
De uma nau que se perdeu,
Ficou perdida nas memórias,
Ficou perdida como eu.

Trazia ela em seu cortejo
O deus dará, a sorte cega,
Pois navegava num desejo
De quem não vê onde navega.

E o mar me disse que afinal
Fomos iguais na semelhança
Ele perdeu a sua nau
Quando perdi minha esperança.

O.T.Velho

domingo, 24 de maio de 2009

TROÇOS DE UM DIA AMARGO

domingo, 24 de maio de 2009
Perco-me todo em caminhos
Que sempre viram passatempo,
Escondem medos, torvelinhos,
Coisa guardada há muio tempo.

Assim em mim cada momento
Recorda apenas o que sou:
Um velho mundo cismarento,
Rasgo de um nada que passou.

Volto pro longe... não consigo
De nenhum modo me expressar
Cada palavra do que digo
É nada além deu me calar.

O.T.Velho

sábado, 23 de maio de 2009

ARLEQUIM VERMELHO

sábado, 23 de maio de 2009
Eu obedeço ao mandamento
Que faz o homem ser feliz,
Erguer a casa sobre o vento,
Nessas manhãs de chafariz.

Voar às vezes numa estrela,
E ao mais leve desencanto,
Sair às noites pra revê-la,
E nunca mais deixá-la tanto.

E de assim ter uma meta,
Só uma meta e mais nenhuma
Que a manhã é incompleta
Quando a gente se acostuma.

O.T.Velho

quarta-feira, 13 de maio de 2009

O BOTICÁRIO DA RUA XV

quarta-feira, 13 de maio de 2009
Alguém me disse, mas não sei,
Pois esqueci-me de ouvir...
Era uma voz e então pensei
Que tudo era eu repetir.

Era um silêncio, uma nota,
Pequena pausa assemelhada
À solidão que se esgota
Quando a gente ouve nada.

E foi assim, somente assim,
Que percebi alguem dizer
Da solidão qua havia em mim
Só eu não pude perceber.

O.T.Velho

segunda-feira, 11 de maio de 2009

O ARCO IRIS DA VILA DE MARCONDES

segunda-feira, 11 de maio de 2009
O vento que vai inventa,
Na sua forma de invenção,
Algo que não se experimenta,
Coisas que não existirão.

Toca-me a pele, arredio,
Rola nos ares sem se ver,
Porque sou breve como um fio
E ele é vento sem saber

Cai-me a noite, minha pele,
Parece coisa não tocada,
E ao não ter nada que a revele
Sinto-a como se inventada

O.T.Velho

O COLAR DE PEDRAS DE JUANITA

Por esta noite sim, não mais
Diga-me coisas do ouvir
Coisas que não serão jamais
Pra eu ficar e não partir

Por esta noite sim, somente
Fale dos sonhos que serão
No meu ficar intermitente,
Tudo que fiz sem ter razão

Só nesta noite sim, talvez
Dá-me tua mão já estendida
Com o vazio que se fez
Do gosto amargo da partida

O.T.Velho

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

MIRAGEM DE VEGA

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
.
Este mundo de estilhaços,
De alma pontiaguda,
Se encolhe nos meus braços
Como que pedindo ajuda.
.
Vem o manto e o encobre
Numa tal similitude,
Que me sinto apenas pobre
E não sei em que ajude.
.
Varre o corpo pro deserto
Qua a alma ja varrida,
Encobriu-se tão de perto
Que perdeu-se ou é perdida.
.
O.T.Velho

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

MONODIÁLOGO

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
.
Às vezes penso, sei lá
em ser outro, de repente,
tão igual ao que sou já
E assim mesmo diferente.
.
e nesta mesma diferença
Me fará não ser quem sou,
Eu serei o que me pensa
Mas não do modo que pensou.
.
Talvez assim dessemelhante
Contraditório, louco, enfim,
Irei crer-me o bastante
E serei outro então assim.
.
O.T.Velho

...UMA VEZ

.
Nosso jeito é uma mistura
É mescla de tanta cor
que nem parece pintura
É mais que isso, é amor.
.
é um jeito tresloucado
um arremedo estranho
entre o amor e o amado
Sem conjectura ou tamanho
.
E se amar-te é como saber
De coisas sempre iguais
Pareço sempre reler
Somente pra saber mais.
.
O.T.Velho

VASO DE PORCELANA

.
Minhas mãos brancas de argila
Nunca puderam entender,
Porque a noite tão tranquila
Tem rostos pra esconder.
.
Meus pés descalços, meus chinelos
falam de tudo que não sei,
Falam que os becos não são belos
Porque assim eu os tornei.
.
Só sei dos sonhos que eu não tive
Na cor de argila em minha pele,
E se a noite é noite no que vive
Talvez um dia me revele.
.
O.T.Velho

INTERLÚDIO AFRICANO

.
Há uma certa indecisão
Em tudo que sei ou quero,
Não por coisas que serão
Ou por outras que espero.
.
Nem o tempo não me dirá
Nada quero que me contem,
Pois obviamente será
Aquilo que já fui ontem.
.
Então não sei se indeciso
É um termo que me explica,
pois já sei do que preciso
Só não sei onde ele fica.
.
O.T.Velho

RIBEIRINHO DAS VOLTAS

.
O rio rumina e a vazante
Faz da corrente rompida,
Uma transparencia cortante
Que tira a água da vida.
.
E num caudal que flameja
O veio grita e derrama,
Na foz que inunda e despeja
Feito alguém que nos chama.
.
E o ribeirão permanece
Ouvindo o rio dizer,
Palavra ouvida se esquece
Falar pra dentro é saber.
.
O.T.Velho

JARROS E MÁSCARAS

.
Nesta página de um rosto
Que estampei em minha cara,
Se esconde o meu oposto
Como vinho em água clara.
.
E o semblante declarado
Escondido em minha tês,
O que mostra é guardado
Muito além do que tu vês.
.
Saberás de outra maneira
Só daquilo que não fui,
Feito água de torneira
Que se esvai e não dilui.
.
O.T.Velho

MOLDURA DE CERA

.
Meu antagonismo se repete
de um modo tão reprimido,
Que faz crer que eu me complete
e não sou tão repetido.
.
E não raro pelas ruas
Onde vou, meu descaminho,
De uma sombra forma duas
E não sou tão mais sozinho.
.
Só palavras, nenhum gesto
Só rabiscos num bilhete,
Sou de mim o imanifesto
Da poeira de um tapete.
.
O.T.Velho

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

FLERTE

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
O seu amor me acusou
de um jeito tão normal
de alguém que nunca amou,
pelo menos não igual.

E nessa coisa engraçada
que a gente não quer ver
por amar de forma errada
ou fugindo sem querer.

Mas a culpa se confessa
e assim se compreende
Que amor só se expressa
A alguem quando se rende

O.T.Velho

quarta-feira, 25 de junho de 2008

CARAVELAS

quarta-feira, 25 de junho de 2008
Digo que as caravelas são,
O meu anseio de conhecer,
Nos mares que existirão,
Aqueles que não posso ver.

Ergo os olhos do penhasco,
Para além de ver o mar,
Sou um navio sem casco,
E desisti de navegar.

Pois no abismo derradeiro,
Do horizonte sem vela,
Me tornei o mundo inteiro,
E perdi-me caravela.

O.T.Velho

quinta-feira, 19 de junho de 2008

ATOL

quinta-feira, 19 de junho de 2008
Em toda noite de estrelas,
Simplesmente me reparto,
Me dvido pra contê-las,
No silêncio de meu quarto.

E me perco neste arco,
Como os olhos de alguém,
Que anseia por um barco,
Mas não sabe se ele vem.

Além disso, é quase nada,
Que vivi ou que mereço,
Pois sou noite estrelada,
E apenas me esqueço.

O.T.Velho

sexta-feira, 13 de junho de 2008

O BRILHO DOS OLHOS DELA

sexta-feira, 13 de junho de 2008
O brilho dos olhos dela,
Tem algo não sei o quê,
Que tanto esconde e revela,
Quando ela passa e me vê.

E o meu olhar insinua,
O que não posso pensar,
Do brilho que continua,
Mesmo depois de passar.

Como não sei abordá-la,
Quisera eu apenas supor,
Que este encontro sem fala,
É um começo de amor.

O.T.Velho

quinta-feira, 12 de junho de 2008

UMA IMAGEM

quinta-feira, 12 de junho de 2008
Para meu amigo Castelo Hanssen

É só uma paisagem no meio,
Do fio d'água, sem luz,
Que ouso pensar que a creio,
E nada além a produz.

Eu a vejo esquivo e torto,
E numa tal similitude,
Que confundo o vivo e o morto,
Porque tudo a repercute.

Somente não sei precisar,
Se na imagem concebida,
Algo existe além de olhar,
Esse nada que é a vida.

O.T.Velho

LIMÍTROFES

O espelho não reflete,
Aquilo que julgo ver,
Ele apenas se repete,
Noutro modo de me crer.

Em sua forma atenuada,
O que ele desconhece,
É que a imagem transformada,
Nunca é o que parece.

E o reflexo duplicado,
Mostra coisas que não sei,
Pois sou apenas projetado,
De uma idéia que criei.

O.T.Velho

INCÔMODO

Não me lembre que estou só,
Já me basta o não sabê-lo,
Pois assim não terás dó,
E eu, por fim, vá esquecê-lo.

Não me faças esquecido,
Do que seja a solidão,
Pra não ser compreendido,
Nos motivos sem razão.

E nem queiras conhecer,
Da razão qualquer motivo,
Vivo apenas pra esquecer,
A angústia de ser vivo.

O.T.Velho

FOBIA

Como é difícil ir além,
Da distância não medida,
Entre o nada que se tem,
E a meta pretendida.

É uma variante concreta,
Cuja única importância,
É o seguimento, a reta,
E o perder-se na distância.

Pretender é só um vício,
Uma água estagnada,
Que corrompe o desperdício,
E transforma tudo em nada.

O.T.Velho

quinta-feira, 8 de maio de 2008

FINGIMENTO SURREAL

quinta-feira, 8 de maio de 2008
.
E ele sonhava às caravelas,
Com medo de ser navio,
Com suas águas amarelas,
Num imenso mar bravio.
.
Nunca quisera ser um porto,
Pois o porto só abriga,
Ao cargueiro feio e morto,
E a caravela antiga.
.
E pensava tão distante,
Na sua inventada razão,
Como um fio de barbante,
Segurando a embarcação.
.
O.T.Velho

quinta-feira, 1 de maio de 2008

AS FOLHAS CAEM

quinta-feira, 1 de maio de 2008
As folhas caem no outono...
Vejo a folha que caiu,
Como alguém que tinha sono,
Ou simplesmente dormiu।

Pois no infindável remanso,
De um tempo não medido,
O outono foi só o balanço,
Para a folha ter dormido।

E nesta eterna gangorra,
Que brinca de vai e vem,
É provável que ela morra,
E o outono também.
O.T.Velho

EQUÍVOCO

Há num momento qualquer,
Qualquer coisa indefinida,
Mas que não passa sequer,
De uma coisa presumida.

E que não tem definição,
Além da possibilidade,
De não ser só presunção,
Mas a pretensa verdade.

E é assim que tudo vira,
Na imagem que se vende,
Ao fazer duma mentira,
A verdade que nos prende.

O.T.Velho

terça-feira, 15 de abril de 2008

SOFISMA

terça-feira, 15 de abril de 2008
Há um traço obrigatório,
Uma curva que detém,
Meu desejo incorpóreo,
Minha vida de alguém.
.
A eterna inconstância,
Num sofisma rudimentar,
Que me prende à distância,
Onde penso não estar.
.
E ao nível não tangível,
Desta forma obsoleta,
O existir é tão possível,
Quanto a idéia na gaveta.
.
O.T.Velho

quinta-feira, 10 de abril de 2008

ENTRESORTE

quinta-feira, 10 de abril de 2008
Veio um vento na estrada
E levou o que eu tinha
Mas enfim não tinha nada
Só o vento que não vinha
.
Desrumei-me no intento
De um jeito entrelaçado
À poeira que era vento,
A um rumo que era errado
.
Pois a sorte nunca quis
Encarar de outra maneira
O caminho que eu fiz
Neste vento sem poeira
.
O.T.Velho

domingo, 6 de abril de 2008

PAISAGEM

domingo, 6 de abril de 2008
Não sei se chove lá fora
Respingos molham o centro
Da paisagem que decora
A chuva que cai-me dentro

Deita-me na relva, deita
Porque a água acalanta
A arritmia perfeita
Daquilo que ela planta

E que o dia se embebede
De tudo que lhe convém
Pois no coração rebelde
Ás vezes chove também

O.T.Velho

sábado, 23 de fevereiro de 2008

SONO

sábado, 23 de fevereiro de 2008
Que estranha coisa causa,
A vontade de morrer,
Na simetria sem pausa,
Do processo de viver.

Como brusco arremedo,
Guardado na estranheza,
De alguém que vive o medo,
De não ser sua certeza.

Nessas horas de acalanto,
Uma face tão antiga,
Desenha um rosto de pranto,
No desejo que abriga.

http://sitedepoesias.com.br/poesias/26570
O.T.Velho

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

REESCRITO

terça-feira, 29 de janeiro de 2008
.
Para além das linhas tortas,
Dos poemas que escrevi,
Escondi em folhas mortas,
O outro tanto que varri.
.
Só porque no curto espaço,
De um entalhe não escrito,
Me perdi, refiz o traço,
Para assim ficar bonito.
.
Mas, tu creias e observe,
Uma coisa quando escrita,
Para algo apenas serve,
E não é pra ser bonita..
.
O.T.Velho

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

INVERNO

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
Na manhã calada, sem sol,
A constante turbulência,
Lembra, de longe, um atol,
Pela simples referência.

Pois de si mesmo exilado,
Num apelo comovente,
O sol se torna calado,
Pra não dizer o que sente.

E assim o dia prossegue,
Em constante letargia,
Da manhã que não consegue,
Ser um nada além de fria.

O.T.Velho

CONTRATUS

Vou ausentar-me por uns dias,
Não estarei para ninguém,
Eu seguirei nas manhãs frias,
Que seguirão em mim também.

E, sem motivos ou alarde,
De mim já nada saberão,
Alguns dirão que fui covarde,
Outros não sei o que dirão.

Mas voltarei um dia, creio,
Após o tanto que se passe,
Nesta vontade, sem receio,
De ser o dia quando nasce.

O.T.Velho

RÚTILO

Não é a simples resposta,
O que procuro entender,
Mas de que está composta,
A minha razão de viver.

Não se fez do mero acaso,
Ou daquilo que acredito,
No conflitante descaso
De ouvir o nada dito.

Mas precede de outra forma,
O entendimento afinal,
Da insuportável norma,.
Que me faz ser tão banal.

O.T.Velho

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

ABISSAL

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
Não me acostumo com nada,
E estou cansado de mim,
Fugirei de madrugada,
Para um destino sem fim.

Seguirei tão para longe,
Para deserto tão ermo,
Que dirão que me fiz monge,
Ou morri já muito enfermo.

Mas se a verdade porém,
A uma outra constitui,
Pro lugar que vai além,
Sou o ponto onde já fui.

O.T.Velho

Sou tão leve quanto o sono,
Que se perde de manhã,
Na flor morta do outono,
Sobre o tapete de lã.

Sob meus olhos de vento,
O quieto casaco de linho,
Lembra um rio pardacento,
Criado num pergaminho.

O ser só é um quase nada,
Que a solidão suponha,
Quando está acompanhada,
Da tristeza de quem sonha.

O.T.Velho

HERÁLDICA

Todo sentimento recorda,
A singularidade pretensa,
Do atavismo que transborda,
Naquilo que não se pensa.

É a genealogia condensada,
Numa seqüência volitiva,
E que não é subordinada,
À uma oração substantiva.

E o pensamento apenas tem,
A frágil idéia de existir,
Na chama fraca que mantém,
A vã herança de sentir.

O.T.Velho

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

LUAU

terça-feira, 11 de dezembro de 2007
A lua vaga me vem,
No pensamento inconciso,
Pensá-la não me faz bem,
Mas todavia preciso.

Cegamente ela caminha,
Às beiras do rumo incerto,
Daquilo que adivinha,
Entre o longe e o perto.

E, feito um olho, ela se vê,
Neste amarelo cinzento,
Das linhas tortas que lê,
Dentro do meu pensamento.

O.T.Velho

VENTANIA

Foi à noite, a ventania,
Acordou-me em sobressalto,
Numa intensa gritaria,
Como alguém falando alto.

Nada ouvi do que dizia,
Soube apenas que falava,
Do incerto que havia,
Nessa noite que ventava.

Se pergunta-me contudo,
Pouca coisa vou saber,
Pois o vento fez-me mudo,
Pra ouvi-lo e não dizer.

O.T.Velho

domingo, 9 de dezembro de 2007

DIÁRIO DE BORDO

domingo, 9 de dezembro de 2007
Uma nau que se perdeu,
De um rumo que não tinha,
Encontrou o que sou eu,
Que no mesmo rumo vinha.

Neste encontro preparado,
De um modo casual,
Eu me dei por encontrado,
Nos desvios desta nau.

E se fui ou se fiquei,
Neste mar que o mundo é,
Eu por certo já não sei,
Ou não pude dar-me fé.

O.T.Velho

SEDIMENTAR

O Temporal que ameaça,
Cair sobre a vila,
Na verdade não passa,
De uma chuva tranqüila.

E todo aquele que olha,
Muito além do que vê,
Saberá que não molha,
Pois apenas o crê.

E toda chuva de fato,
Tranqüila ou não,
É somente um retrato,
Do que foi a visão.

O.T.Velho

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

TORPE E BANAL

segunda-feira, 26 de novembro de 2007
A poesia, em rumos diversos,
Escapa-se do entender,
Não é expressa em versos,
E não se a pode escrever.

Buscai somente o sentido,
Da forma alheia e discreta,
Do algo incompreendido,
Que se perdeu do poeta.

Mas se atrevido, entretanto,
Ainda a quiseres buscar,
Deixai o meu livro de canto,
Que assim a irás encontrar.

O.T.Velho

LINHAÇA

I
Eu me sinto um bordado,
Que preso ao pano de chão,
É só um motivo decorado,
Onde os outros pisarão.

E em contraste agressivo,
Com tudo que não se baste,
Os opostos eu revivo,
Na nobreza deste traste.

Assim no nefasto, imundo,
Viés da peça de linho,
Compreendo um outro mundo,
E me torno mais sozinho.

II
Ao escrever eu mesmo bordo,
Meus sentimentos em um tecido,
A cada ponto em mim recordo,
Essa vontade de não ser lido.

Pois quando lêem simplesmente,
As rudes formas que escrevi,
Não saberão da letra ausente,
Nos outros pontos que eu vivi.

E se o infortúnio desse bordado,
Não me permite alinhavar,
Eu te advirto ler com cuidado,
Porque enfim, não sei bordar.

O.T.Velho

sábado, 24 de novembro de 2007

QUINTANA

sábado, 24 de novembro de 2007
"Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente ...
e não a gente a ele!"

Mário Quintana
.
Deitada na escrivaninha,
Sem uma idéia que a tolha,
A poesia se escreve sozinha,
No dorso calmo da folha.
.
E ainda que pouco eu faça,
Nem uma ajuda sequer,
Ela me enche de graça,
Por um motivo qualquer.
.
Este é um momento amigo,
Que não poderei descrever,
A poesia se irmana comigo,
Creio buscando a mim ler.
.
O.T.Velho

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

PLURALISMO

sexta-feira, 23 de novembro de 2007
Numa conjectura, penso,
Que a minha realidade,
É um analogismo pretenso,
De improvável verdade.

É uma singular aparência,
Onde se pode antever,
Minha pretensa existência,
Que a verdade faz crer.

Não fosse assim todavia,
Não sei dizer certamente,
Que outra coisa eu seria,
Teimando em ser existente.

O.T.Velho

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

TROPEL

quinta-feira, 22 de novembro de 2007
É a tristeza calada,
Na voz do vento que ouço,
Como angústia cravada,
No fundo dum calabouço.

Ouvi-la já não me basta,
E o poço fundo somente,
Nas profundezas se afasta,
E a voz me fica ausente.

Se o vento pudesse ouvir,
Eu lhe diria assim,
Pra nunca mais repetir,
As coisas ditas de mim.

O.T.Velho

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

LANTEJOULAS

quarta-feira, 21 de novembro de 2007
.
Cada poesia é uma gota,
De uma chuva torrencial,
Que umedece a telha rota,
E nunca é especial.
.
Pois em tudo que escrevo,
Todo ponto se assemelha,
À umidade em relevo,
Que consome cada telha.
.
E a chuva quando para,
No telhado umedecido,
Tem então a mesma cara,
Daquilo que foi escrito.
.
O.T.Velho

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

DIVAGAÇÕES

segunda-feira, 19 de novembro de 2007
O inalcançável horizonte,
De tudo o que não sei,
É somente uma ponte,
Que ainda cruzarei.

É a nostálgica reclusa,
Que o eterno não saber,
Faz da ponte que se cruza,
O impossível de se ver.

E conquanto o nunca dito,
Se permita à mente ousar,
Eu somente acredito,
Nesta ponte por cruzar.

O.T.Velho

AINDA QUE

Num sentido amplo sei,
Que uma coisa diminuta,
Obedece à mesma lei,
Que rege a forma absoluta.

É uma frágil redundância,
Como o frasco, nada além,
Que imita a fragrância,
Do perfume que não tem.

Assim se raro ou obtuso,
Diluído em toda parte,
Tudo faz-se tão confuso
E só por isso vira arte.

O.T.Velho

DESCONSOLO

Por detrás do entreaberto,
Vão da porta fechada,
Existe um quarto deserto,
Isto somente e mais nada.

Ali haverá, certamente,
No estranho que o habita,
O vago vulto de gente,
Que já em si não acredita.

Não se deve tê-lo em conta,
Para esta coisa nenhuma,
Pois vale menos que a ponta,
De um cigarro que fuma.

O.T.Velho

ARQUÉTIPO

É tão simples e tão cara,
A singularidade do momento,
Que transforma em jóia rara,
O mais tépido ornamento.

É a magia orquestrada,
Ressaltando do pincel,
Que em cada pincelada,
Forja a vida no papel.

A criação é a árdua luta,
Da mão na massa argilosa,
Que torna mesmo ainda bruta,
A pedra rude em preciosa.

O.T.Velho

ESTALEIRO

Todas as noites atraca,
Nos antros de meu cais,
A recordação já fraca,
Do que não sou eu mais.

É como um antigo navio,
Que o vento da maré,
Faz lembrar o mar bravio,
E esquecer o que ele é.

Então, às noites, não sei,
Se navio ou algo assim,
Fez pensar o que pensei
Ao sentir o vento em mim.

O.T.Velho

NOTÍVAGO

A vida é só um faz de conta,
Não se sabe ou adivinha,
É rumo incerto que aponta,
Apenas ao fim da linha.

É uma conjectura no espaço,
Um segmento obstruído,
E cujo sentido escasso,
Difere do pretendido.

E nesse súbito instante,
Nada além de um momento,
O que existe é o bastante,
Pra tornar-se esquecimento.

O.T.Velho

PENUMBRA

Caem do céu pesadas gotas,
Só porque não amanhece...
E as estrelas brancas, rotas,
Cantam pra quem adormece.

É uma canção inexistente,
Nem se pode percebê-la,
Pois é raro normalmente,
Ter alguém ouvindo estrela.

Mas, sim, cantam, é verdade,
Tem que ouvi-las pra saber,
As manhãs virão mais tarde,
Quando a noite se esquecer.

O.T.Velho

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

AMÁLGAMA

sexta-feira, 16 de novembro de 2007
O meu corpo experimenta
Na discrepância nua
Que a idade fragmenta
A vida que pensa sua

Os anos levam a dor
E um peso sem medida
Ao fortuito portador
Da tese que chamam vida

Não fosse tola a crendice
De que a vida é sempre bela
Eu não seria velhice
Ou não estaria nela

O.T.Velho

VERVE

Em meio à noite escura,
Ressalta a estranha voz,
Do silencio que procura,
Um pouco de si em nós.

Como sempre o ocultar-se.
Torna o oculto tão tangível.
Que assim qualquer disfarce.
Resultará impossível.

E como o sentido ofusca,
Na alma o que ela sente,
Esta voz se torna busca,
Pra dizer isso pra gente.

O.T.Velho

COAXIAL

Sou um halo sem luz,
Erradicado, a esmo,
Que não vibra ou produz,
Nada pra si mesmo.

Uma greta fendida,
Que apenas se empresta,
A luz refletida,
Bem no meio da fresta.

E num súbito instante,
Essa greta tão fina,
Grita luz ofuscante,
E a tudo ilumina .

O.T.Velho

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

CURIAPEBA, SEUS MODOS E SUA GENTE

quinta-feira, 15 de novembro de 2007
DE COMO CONHECI CURIAPEBA
(Homenagem à obra literária de Aristides Theodoro)
- criador da fictícia Curiapeba -


CURIAPEBA, SEUS MODOS E SUA GENTE

I
Curiapeba é boi de laço,
É chiado morto, escuridão,
É coité quebrado e é cangaço,
Terra pisada no bagaço,
E a vida feita de sertão.

Ave agourenta na chapada,
Cascavel de tocaia no capim,
É rês mugindo esfomeada,
Xaxado, xote e enxurrada,
Galope, morte, vida e fim.

É gole d'água, é mão vazia,
Cacimba seca, vem e vai...
É noite quieta e cantoria,
Macuco afoito, mata fria,
Chuva distante que não cai.

II
É carrapicho, unha de gato,
É casa velha e desalento,
Peleja incerta, medo e mato,
Donzela aflita e beato,
E um bocado de ungüento.

É cabra macho, é rezador,
Faca de ponta, correnteza,
É benzedeira, é cantador,
Marruá na canga, lenhador,
Preá que bole na represa.

É rapazote que gagueja
Um verso bobo que escreveu,
É um tropeiro e uma peleja,
E bode velho que bodeja,
A mesma coisa que comeu.

III
É caititu, marrã que berra,
Água que banha o vilarejo,
Gibão surrado, pé de serra,
Gamela cocha, sol e terra,
De onde brota o sertanejo.

É carne de sol, tigela, angu,
Sabiá que canta na gaiola,
Canavieira, grota, umbu,
Fogão de lenha e mulungu,
É moita brava e mariola,

É cafundó, terno de linho,
Foice afiada, binga e fumo,
Feijão de corda e pelourinho,
Pedra que move no moinho
E bota a vida no seu rumo.

IV
É o carcará desapontado,
Jagunço morto na estiada,
É um zumbido, é um piado,
É um tiroteio começado,
Poeira e pó virando estrada.

É um remelexo, é mexerico,
É seiva, é dor, é jeito e ginga,
Ema, sapé, graveto, angico,
É cangaceiro e é milico,
No seu amor pela caatinga.

É dor de quengo sem melhora,
Bornal socado e um cantil,
É tamarindo, arreio, espora,
E a juriti que canta e chora
O Tudo quanto ela já viu.

V
É a baraúna ameaçada,
Fazenda antiga e prataria;
Carro de boi, encruzilhada,
Chuva que cai na madrugada,
Como goteira na bacia.

É lenço e palha na algibeira,
É destemor que nada abala,
Um fogo aceso sem fogueira,
É leite azedo na porteira
E antiga história de senzala.

É galalau engravatado,
Garrucha, jipe e baioneta,
Algum tostão e pão fiado
Um sonho velho amarelado,
Feito retrato na gaveta.

VI
É gravatá, arnica, espinho,
Boneca de milho já nascendo,
É malquerença de vizinho,
É cruz fincada no caminho,
E casca velha apodrecendo.

É um tropeiro ensimesmado,
Espinha de peixe na goela,
É nó de tripa mal curado,
Tabaréu que vê desconfiado,
Tudo que passa na janela.

É sanfoneiro, é cão sarnento,
É um desafio na embolada,
Uma tarimba e um jumento,
Moço que dorme no relento,
Pra cortejar a sua amada.

VII
É pó de mico, água de cheiro,
Café torrado e procissão,
É catilóia e sanfoneiro,
Um estrupício alcoviteiro,
Colher de pau, mão de pilão.

É um casebre pau-a-pique
D’uma bondade sem fundura,
Uma candonga, um chilique
Raspa de tacho e alambique,
Garapa, cana e rapadura.

É taquarussu, é boi-bumbá ,
Luar minguado no açude,
Sabão de soda, mungunzá,
Juá, jiló, jequitibá,
E um povo nobre que se ilude.

VIII
É a praça quieta tão igual,
Cerca, cipó, galo de rinha,
Roupa quarando no varal,
Um dia branco como a cal,
Que veste o teto da igrejinha.

Anzol de linha ribanceira,
Rangido surdo no assoalho,
Fubá que dança na peneira,
Cajá, sapé, maxixe, esteira,
E uma colcha de retalho.

É onça parda e emboscada
Carvão aceso, luz de vela.
É um estouro de boiada,
É uma tapera barreada,
Riacho morto sem pinguela.

IX
É um Barbatão desenxabido
E um perrengue da sinhazinha,
É um quase tudo esquecido
Em alguma brenha, escondido,
Que pouca gente adivinha.

E também é a coisa rara
Que, inexplicavelmente, afinal,
Como uma moita de taquara
Ao dividir-se em cada vara
Semeia nesta um taquaral.

E é finalmente uma porção
De qualquer coisa emudecida
E se o dize-la é apenas vão
Calar seria a supressão
De tudo quanto deu-lhe vida.

O.T.Velho

TRÔPEGO

Se o silêncio não é tudo,
Falta-me saber o quê
Me faz por dentro tão mudo,
Que de fora não se vê.

É como tinta que descora
Na lembrança que arrefece,
Da ausência lá de fora,
Que comigo se parece.

Isto posto de repente,
Sem que nada o provoque
Faz-me eu ser simplesmente
Como algo que se troque.

O.T.Velho

TECIDO RUDIMENTAR

do ciclo de poesias "Conservatório Íntimo"

A pintura imprecisa
Se inverte na medida
Do olhar quando divisa
Sua imagem refletida

Um do outro pouco sabe
Chego mesmo a pensar
Que a tela já não cabe
Na moldura do olhar.

E embora eu nada veja
Numa tola indisciplina
Sei que a imagem só deseja
Fazer parte da retina.

O.T.Velho

UM PRISMA

Tudo paira impreciso,
Ainda assim minha certeza,
É uma chuva de granizo,
Que mantém a chama acesa.

E não é somente um jogo,
De palavras que me sai,
Pois o frio acende o fogo,
Se no fogo a neve cai.

Se não crê-me experimente,
Uma coisa tão pequena,
Sinta aquilo que se sente,
Quando não valer a pena.

O.T.Velho

EM SEGREDO

O dizer que vem da rua,
Que só ela o sabe bem,
Tão somente desvirtua,
O rumor que ela já tem.

É um barulho dissoluto,
Um andar devagarinho,
Que a torna piso bruto,
E a mim o seu caminho.

Se pudessem escutá-la,
Eu talvez não fingiria
E o rumor que a rua cala
A um outro falaria.

O.T.Velho

O TEJO

“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia.”
Fernando Pessoa


Eu sigo a esmo no tejo
E em meu corpo de mágoas
Só resta o mero desejo
De que o leve as águas

Porque anseio ir além
Pra onde tudo é o fim
O tejo me segue também
Pois já é parte de mim

E se um dia eu voltar
Já não seremos quem fomos
O tejo será este mar
Que eu e ele transpomos

O.T.Velho

ART NOUVEAU

A vida é como uma tela
Pano branco, sem pintura,
Não se pode pintar nela,
Pois a tinta não segura.

Falta cor, falta pincel,
Falta mesmo é um pintor,
Que desenhe sem papel,
E seja ele mesmo a cor.

E que assim se muiltiplique,
Nas cores que ele sinta,
Pra que a tela branca fique,
Toda pintada sem tinta.

O.T.Velho

TRANSVERSAL

No colo da noite calma,
Nada se encontra senão,
Os rútilos rastros da alma,
Pesar-me no coração.

Como quieto ou ausente,
Cravado em tardo açoite,
A inconstância diferente,
De eu ser alma ou noite.

E porque nada se acaba,
Não me permito acostumar,
Em ser noite que desaba,
Em alma sem acordar.

O.T.Velho

O PIANO

O piano sente na pele
A partitura estudada
Pedindo que a ele revele
Na canção a ser tocada.

Tudo para, doce e quieta,
Uma nota quase muda,
Sai de mim e se completa
Com aquilo que se estuda.

Ainda assim eu desafino
Numa outra melodia
É o piano do destino
Que eu ainda estudaria

O.T.Velho

PARADISUM

I
Meu violão sangra um fá,
Inconsistente e banal,
Assim ele diz-me o que há,
E assim eu sofro igual.

Tange em compasso um ré,
Se perde nas dores do dó,
É como um beato sem fé,
Suas cordas fizeram um nó.

A custo um sol ele lança,
Na pretensa curva do mi,
E quando o lá o alcança,
Ele se esquece do si.

II
Ah violão por que choras
Que dor te faz magodo
Será acaso a das horas
De quando és dedilhado?

Ou só a mesma presença
Daquele que te dedilha
Compôs em ti a sentença
E dor igual compartilha

Ou será um acaso, amigo,
E teu destino é somente
Viver a dor sem castigo:
Tocar o que outro sente.

O.T.Velho

O CORETO

Toca na praça o realejo
E a moça de calça amarela
Ensaia roubar um beijo
Pra satisfazer o desejo
Da praça já dentro dela.

Como é leve ver a graça
E não saber donde ela vem
O macaco no centro da praça
Ve a sorte de quem passa
E ele que sorte tem?

E nesse eterno refluir
Da mesma coisa universal,
Cada fração de existir
Parece nos prevenir:
Você também será igual.

O.T.Velho

ID

Eu sou a somatória apenas,
Duma conta arredondada,
Em resultantes tão pequenas,
Que sequer foi anotada.

A irretratável ambivalência
Cujos lados tão iguais,
Fez avanços que a ciencia,
Os consideraria banais.

E nesta súmula duvidosa
Cuja íntegra não lerei,
Quiçá reste a coisa honrosa
De saber que nada sei.

O.T.Velho
 
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